Artigo: 11/10/2024
* Ícaro Moreno Júnior
ART.59, §4º DA NLLC: UMA FACA DE DOIS GUMES?
Criada em primeiro de abril de 2021, a Lei Federal 14.133 significou uma profunda e sensível mudança no cenário das licitações e contratos com o Poder Público. Essa Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC) veio com o objetivo claro de um aperfeiçoamento da antiga Lei 8.666/93 e estabelece diversas medidas para que o objeto licitado e contratado seja concluído.
Porém, como diretor-técnico da Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro (AEERJ), que é parte representativa de nossa “cadeia de construção”, não pude deixar de ter a preocupação com o que está contido no Capítulo V (DO JULGAMENTO), art.59, §4º da Lei:
No caso das obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% do valor orçado pela Administração. |
Procurei, então, a orientação especializada de escritório de advocacia, tendo em vista que esta questão da inexequibilidade (Teoria da Presunção Absoluta), vem sendo contestada inclusive por órgãos controladores, mantendo-se a jurisprudência que vinha sendo aplicada na Lei nº. 8.666/93 de que a aferição quanto a exequibilidade de preços deve ser apurada considerando-se sua Presunção Relativa.
É o que dispõe a Súmula 262 do Tribunal de Contas da União (TCU) de que “…conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços, devendo a Administração dar à licitante a oportunidade de demonstrar a exequibilidade da sua proposta”, criada ainda na vigência da Lei nº 8.666/93.
Diversas entidades têm se mobilizado no sentido de modificar a jurisprudência dos órgãos de controle quanto ao que se refere à Teoria da Presunção Relativa. Podemos citar, por exemplo, o Ofício nº 15/2024 encaminhado pela Associação Brasileira dos Sindicatos e Associações de Classe de Infraestrutura ao TCU. Em uma síntese, esse documento destaca a necessidade de se prevenir práticas inadequadas nas licitações públicas, como a flexibilização quanto à aceitação de propostas com descontos superiores a 25% do orçamento de referência e que podem vir a levar a um cenário de obras públicas importantes e necessárias paralisadas em razão da incapacidade do licitante vencedor em concluí-las por força de uma proposta inexequível, evidenciando a preocupação em “superar o grave problema das obras paralisadas.”
Como fica evidente, a aferição da inexequibilidade contida objetivamente na NLLC vem sendo rotineiramente modificada por essa jurisprudência a favor do direito da licitante em justificar a exequibilidade da sua proposta. É importante destacar, nesse sentido, que há também uma carência de critérios objetivos que auxiliem o gestor público a fazer essa aferição. E aí cabe recorrer à proposição do matemático Banza von Hambburg, que caiu em uso coloquial: a famosa relação custo-benefício.
Sim, pois interessa à Administração Pública poder contar com essa jurisprudência em torno da Presunção Relativa, para a redução de custos. Mas e os benefícios? Deve prevalecer a tese do menor preço mesmo que isso possa ir contra a questão da eficiência e possíveis aumentos das matrizes de risco em obras paralisadas?
E como engenheiro, opino, depois de me debruçar sobre as questões de direito que envolvem a questão: a solução para esse imbróglio teria como base um arcabouço legal que fundamentasse a aceitação de propostas com descontos superiores a 25% do orçamento de referência através de critérios objetivos: ou seja, a apresentação de provas técnicas, de quantitativos numéricos e objetivos que possam justificar realmente a intenção da licitante de demonstrar a exequibilidade de sua proposta. Não basta apenas um simples documento para atestar essa viabilidade.
E encerro o meu alerta, a minha preocupação, com uma citação/sentença também popular, que teve origem na Bíblia – a famosa faca de dois gumes – questionando: Como fica a segurança jurídica do setor de engenharia e infraestrutura com essa “Fé cega, faca amolada (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos) 🎵?