Transporte: a alegria que durou pouco

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O GloboQuarta-feira, 29 de janeiro de 200329/01/2003

Transporte: a alegria que durou pouco

Francis Bogossian

O péssimo estado das rodovias brasileiras não é novidade para ninguém. A novidade é que a esperança de investimento no setor de transportes foi degolada pelo veto do então presidente Fernando Henrique ao Artigo 5 da Lei nº 10.636, sancionada em 30 de dezembro de 2002, que regulamentava as aplicações dos recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). 
Nascida em 19 de dezembro de 2001, através do Lei nº 10.336, depois de prolongadas discussões, a contribuição incide sobre a importação e comercialização dos derivados de petróleo e, com estes recursos, cria o Fundo Nacional de Infra-Estrutura de Transporte, que tem por objetivo aplicar seus recursos na infra-estrutura de transportes e meio ambiente. 
A Cide veio resgatar o Fundo Rodoviário Nacional, criado em 1945 pelo ministro Maurício Joppert, e que foi alimentado pela arrecadação do Imposto Único sobre Combustíveis e Lubrificantes. Havia vinculação, ou seja, tudo que era recolhido se destinava exclusivamente a investimentos em rodovias. A então chamada Lei Joppert foi um sucesso, e o DNER geriu os recursos com muita competência. Assim foi construída a rede nacional de estradas de rodagem, que uniu todas as capitais do país por vias pavimentadas, além de estradas pioneiras na Amazônia e muitas, muitas outras ligações. 
Os constituintes de 1988 decidiram, porém, acabar com o imposto. A chamada Constituição Cidadã determinou o fim da qualidade das conexões rodoviárias, tão necessárias à nossa cidadania. Elas passaram a depender de verbas específicas, votadas no Orçamento da União. Era o início da calamidade. Hoje, 45% da malha federal pavimentada estão em péssimo estado. 
A aprovação da Cide, em dezembro de 2001, foi comemorada pelos setores de transporte (leia-se metrô, rodovias, ferrovias e hidrovias) e meio ambiente, seus beneficiários diretos. No entanto, a melhoria da infra-estrutura merecia ter sido recebida com grande júbilo por todos, já que beneficiaria todo o país, com a redução do Custo Brasil. 
A Cide começou a ser cobrada em janeiro de 2002 e a estimativa é que sua arrecadação tenha atingido
R$ 8 bilhões. Em 2003 deve chegar a R$ 10 bilhões. Mas, como diz o ditado, alegria de pobre dura pouco. Até agora, nem um centavo foi investido na infra-estrutura de transportes, e dificilmente o será. 
A regulamentação da Cide, estabelecendo a destinação de 75% dos recursos para programas de investimentos em infra-estrutura de transporte, foi aprovada pelo Congresso (Lei nº 10.836), mas com o veto presidencial, voltamos à estaca zero. Os governos federal e estaduais não têm recursos para investir, e as estradas continuarão a se deteriorar. Além disto, volta a se repetir uma prática antiga: suspensão de pagamentos e licitações. Sempre que um novo governo assume, suspende todas as licitações de obras e os pagamentos de obras já realizadas. Isto acontece em todos os níveis. 
A cidade do Rio de Janeiro tem tido sorte com os governos municipais quanto a pagamentos. Nos últimos dez anos, aproximadamente, as construtoras vêm recebendo em dia todas as obras realizadas. Isto, entretanto, não se repete com o governo do estado e o governo federal. Há dívidas do governo Marcello Alencar não quitadas até agora. Ao assumir, em abril de 2002, a governadora Benedita da Silva suspendeu todas as obras e avisou que não tinha recursos para pagar o que já havia sido executado no governo Garotinho. A governadora Rosinha assumiu e, mais uma vez, suspendeu todos os pagamentos por 60 dias. 
O ministro dos Transportes repete a atitude da governadora, suspendendo todas as novas licitações, e nem uma palavra sobre a dívida de mais de R$ 600 milhões que o DNIT tem com as construtoras. A história se repete sem que o governo se dê conta de que, ao relegar o setor de infra-estrutura de transportes a segundo plano, na realidade prejudica o desenvolvimento do país. 
No programa Fome Zero, a logística de transporte será um fator fundamental para o êxito. Levar alimentos a quem não tem vai, necessariamente, exigir alguma via de transporte. Quanto mais difícil for o acesso, mais difícil será abastecer a população. As mercadorias apodrecem pelo caminho ou mesmo no campo, porque o custo do transporte é muito alto e de baixa eficiência. 
A iniciativa privada vem fazendo sua parte. Praticamente todas as concessões de rodovias estão sendo administradas por consórcios de construtoras. Mas apenas 10% da malha rodoviária brasileira são passíveis de privatização. O restante precisa ser mantido ou expandido pelo governo. O Exército pode ajudar, mas, mesmo assim, em menos de 1% da malha. E o resto como fica? De onde sairão os recursos? 
Com o fim da vinculação da Cide à infra-estrutura de transportes, acabam-se as esperanças de melhoria na rede brasileira de transportes. 

FRANCIS BOGOSSIAN é presidente da Associação das Empresas de Engenharia do Rio de
Janeiro
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