Transição energética: como resolver os conflitos que podem atrasar um futuro mais sustentável
Joaquim de Paiva Muniz, sócio do Trench Rossi Watanabe, explica neste artigo por que a mediação, dispute boards e arbitragem são instrumentos para resolver litígios e garantir o sucesso da transição energética
Recentemente, o governo federal aprovou a “Política Nacional de Transição Energética”, com o objetivo de impulsionar investimentos públicos e privados em fontes renováveis. A meta é reduzir as emissões de gases de efeito estufa, prevendo um investimento de aproximadamente R$2 trilhões e a criação de até 2 milhões de empregos nos próximos 10 anos.
Porém, por mais promissora que seja essa iniciativa, ela também traz consigo uma série de desafios substanciais. A magnitude e a complexidade dos projetos envolvidos exigirão uma implementação cuidadosa, e o caminho a se trilhar está longe de ser simples. Um dos principais riscos é que, sem a existência de mecanismos eficientes para resolver os inevitáveis obstáculos que surgirão, esses projetos podem enfrentar sérios atrasos. Num cenário mais crítico, muitos deles podem não se concretizar, colocando em risco os benefícios econômicos e ambientais esperados.
Um dos grandes desafios será a captação de recursos financeiros de maneira rápida e eficaz. A obtenção de um volume tão significativo de recursos, em um prazo relativamente curto, dependerá fortemente de arranjos financeiros sofisticados, como joint ventures, project finances e fundos de private equity. O mercado de capitais também terá um papel fundamental na estruturação desses investimentos.
No entanto, mesmo com incentivos fiscais e a possibilidade de financiamento estatal, a rentabilidade e o sucesso desses empreendimentos ainda são incertos. Como é comum em projetos de grande envergadura, quanto maior o risco envolvido, maior a possibilidade de litígios surgirem entre os diversos atores envolvidos, como financiadores e empreendedores até mesmo conflitos entre os sócios dos empreendimentos podem ocorrer, o que, em última instância, pode levar à paralisação total do projeto.
É preciso considerar também a natureza dos próprios empreendimento. Parte dos investimentos previstos será destinada ao desenvolvimento de soluções emergentes, como captura e armazenamento de carbono, produção de hidrogênio verde, energia eólica offshore e baterias. Essas tecnologias ainda enfrentam incertezas quanto ao seu desempenho. Por outro lado, outra parte dos recursos será destinada a tecnologias energéticas já consolidadas, como a geração de energia a partir de fontes eólicas e solares, além de pequenas centrais hidrelétricas e o uso de biocombustíveis, como o etanol.
Apesar de já serem adotadas com sucesso, essas tecnologias continuarão a enfrentar desafios estruturais no Brasil, como a necessidade de melhorias na infraestrutura, especialmente em relação às linhas de transmissão de energia. Esses projetos, assim como os emergentes, também estarão sujeitos a problemas conhecidos no país, como dificuldades relacionadas ao licenciamento ambiental, atrasos nas obras e variações de preços dos insumos. Porém, a pressão adicional para que esses empreendimentos sejam entregues dentro do prazo, a fim de cumprir as metas de descarbonização, torna o cenário ainda mais desafiador.
Além disso, os contratos de fornecimento de matérias-primas e de compra e venda de energia estarão expostos à volatilidade do mercado, que poderá reagir de forma abrupta às mudanças impostas pela transição energética.
Nesse contexto, será crucial estabelecer mecanismos eficazes para a resolução de conflitos, de modo a garantir que os projetos avancem rumo a uma economia mais verde. Três soluções podem ajudar a mitigar os riscos e evitar maiores transtornos ao processo de descarbonização.
Primeiramente, é fundamental que os contratos incentivem o uso da mediação. Diante de impasses, as próprias partes envolvidas estão em melhor posição para encontrar uma solução do que um juiz ou árbitro, por mais qualificado que seja. Um mediador pode facilitar a comunicação e ajudar as partes a identificarem um caminho mutuamente benéfico.
Em segundo lugar, a adoção de comitês de resolução de disputas, o chamado dispute boards, deve ser incentivada. Esse mecanismo, cada vez mais comum em obras complexas, permite que especialistas independentes acompanhem o projeto em tempo real e, em caso de disputas, ofereçam recomendações ou decisões. A experiência mostra que os dispute boards aumentam a eficiência do gerenciamento de projetos, resolvem a maioria dos conflitos sem judicialização e reduzem significativamente o risco de atrasos.
Por fim, para os conflitos que não forem resolvidos pela mediação ou pelos dispute boards, a arbitragem continua sendo a solução mais eficaz. No entanto, algumas precauções devem ser tomadas para otimizar o controle de tempo e custos. As entidades de arbitragem devem capacitar árbitros e advogados nas questões técnicas da transição energética, além de fomentar a publicação de decisões arbitrais anonimizadas para criar maior segurança jurídica.
A arbitragem expedita, mais rápida e econômica, também deve ser promovida, com árbitros adotando uma postura mais rigorosa quanto aos prazos, utilizando ferramentas de gestão de projetos e estabelecendo um cronograma detalhado desde o início.
A transição energética é um desafio de enorme proporção, e as adversidades serão inevitáveis. Conflitos são um efeito colateral esperado. No entanto, ao incorporar cláusulas bem estruturadas de resolução de disputas nos contratos, prevendo mediação, dispute boards e arbitragem, o caminho pode se tornar menos turbulento.
Sobre o autor
Joaquim de Paiva Muniz é sócio e membro do comitê executivo do escritório Trench Rossi Watanabe. Além disso, atua como presidente do Conselho Nacional de Instituições de Mediação e Arbitragem (CONIMA) e como diretor de Arbitragem no Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA). Ele também preside a Comissão de Arbitragem da OAB-RJ.
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Fonte: Valor Econômico