Tragédias anunciadas
Francis Bogossian,
Presidente da Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro
Desastres provocados por tufões, furacões, maremotos, tsunamis ou vulcões são incontroláveis. Retirar as populações das áreas que podem ser atingidas é o máximo a se fazer, quando os fenômenos são previsíveis. Mesmo assim, as perdas materiais são inevitáveis.
As conseqüências trágicas dos deslizamentos de encostas e das enchentes de rios, no entanto, poderiam ser minimizadas se houvesse um efetivo controle da ocupação nos locais sujeitos a tais situações. Nas áreas que já foram habitadas desordenadamente é necessário um acompanhamento geotécnico e hidrológico. Com a evolução das previsões meteorológicas, é possível identificar os problemas e tomar providências antes que eles aconteçam.
Este ano, mais uma vez, o país chora mortes que, pelo menos em parte, poderiam ter acontecido em menor escala. A tragédia que se abateu sobre Santa Catarina seria minimizada se houvesse um sistema de monitoramento capaz de anunciar a iminência das cheias excepcionais e do movimento das encostas.
Sem falar nas mais de cem mortes, as perdas materiais de milhares de famílias, a paralisação dos negócios no Estado e os gastos com a recuperação das áreas atingidas causaram prejuízos incalculáveis para o Estado de Santa Catarina. A estimativa é de que as ações preventivas representam apenas cerca de 1% do valor que é gasto para recuperar uma área depois de um deslizamento de terra. Cidades cercadas de montanhas, como Rio de Janeiro, Salvador, Petrópolis, Nova Friburgo e Blumenau, dentre outras, não podem prescindir de um monitoramento constante da estabilidade de suas encostas.
Foi preciso a enorme tragédia que se abateu sobre a cidade do Rio de Janeiro no verão de 1966, para que a Prefeitura da Cidade criasse a Geo-Rio, na época, Instituto de Geotécnica, visando enfrentar, com engenharia e tecnologia, novos desastres. Com um corpo técnico altamente qualificado, a fundação atua na prevenção de deslizamentos de solos e rochas, identificando os locais de risco, projetando soluções e contratando obras de contenção. É considerada uma das melhores instituições do mundo nesta área de conhecimento.
Em mais de 40 anos de atividade, a Geo-Rio mostrou como é mais rentável prevenir do que remediar. Mesmo sabendo disso, a Prefeitura do Rio vem reduzindo, substancialmente, os investimentos em obras de prevenção. Na primeira administração do prefeito Cesar Maia, as licitações da Geo-Rio representaram 4,5% do total das licitações de obras públicas da prefeitura naquele período. Esse percentual caiu para 3,4% no governo de Luiz Paulo Conde e despencou para 1,4% nos oito anos da atual gestão.
O trabalho de prevenção e monitoramento dos índices pluviométricos em cidades montanhosas como o Rio é uma ação constante, principalmente quando há uma crescente ocupação desordenada das encostas como temos.
Em 2005, as entidades de engenharia do Rio (AEERJ, Clube de Engenharia, CREA-RJ, ABMS, ABGE, e ASSEAR), em seminário realizado em Angra dos Reis sobre prevenção de acidentes em encostas, assinaram um manifesto “Carta de Angra dos Reis”, que foi enviado ao então governador do Estado do Rio e ao Ministro das Cidades propondo a criação de um órgão no Estado do Rio e outro em nível federal para prevenir acidentes de encostas por todo o país.
Depois de três anos e de várias outras tragédias, como a que agora atingiu a população de Santa Catarina, nenhuma medida de prevenção foi adotada. E o que é mais incrível, a reconstrução está sendo feita praticamente nos mesmos locais dos deslizamentos e enchentes, mostrando a impotência do poder público em tornar estas áreas “non aedificandi” e redirecionar os atingidos para locais seguros.
O desmatamento, o crescimento ilegal e acelerado das favelas em encostas e a falta de medidas de prevenção, problemas que se agravam em todo o país, são os ingredientes perfeitos para que novos desastres voltem a ocorrer a cada estação. Isto é tão certo quanto as chuvas de verão.