Atualmente no Brasil existem duas normas que regulamentam a produção e instalação de barreiras de concreto nas estradas: a NBR 15486 e a NBR 14885, ambas em vigor desde 2016.
A NBR 15486/2016 se baseia nos sistemas de segurança adotados na Europa e nos Estados Unidos com a direta aplicação da Norma Europeia EN 1317/1-5 e da Norma Americana NCHRP 350/MASH e suas sucessivas modificações, já a NBR 14885 regulamenta as barreiras de concreto rígidas moldadas ‘in loco’.
Esta duplicidade na aplicação de uma norma com critérios modernos, NBR 15486 – mesmo com as diversas indefinições que veremos em seguida – e uma segunda norma com critérios obsoletos, NBR 14885– criou incertezas e ambiguidade na aplicação por parte dos projetistas e gestores de rodovias. Na prática, vemos que algumas diretrizes das normas são perigosamente contrastantes.
Em particular, a NBR 15486/2016 proíbe de modo taxativo a instalação nas rodovias de sistemas de segurança que não tenham o ‘crash-test’ realizado em pistas homologadas e, no caso de produção no Brasil, de certificação europeia (CE) idônea sobre a qualidade de produção em fábricas brasileiras.
Por outro lado, a NBR 14885 não prevê esta regra e, portanto, as barreiras rígidas moldadas in loco que tem caraterísticas técnicas inferiores a qualquer barreira pré- moldada (em termos de tipo de concreto, presença de aço de armação, qualidade de fabricação e resistência) podem ser instaladas sem algum controle de conformidade e/ou garantia de funcionalidade.
Partindo desta premissa, vamos analisar os sistemas de segurança do canteiro central e proteção de obstáculo fixo na zona livre, que são nos sistemas rodoviários os pontos mais complexos e sensíveis onde se concentram o maior número de acidentes graves, com sequelas para os usuários.
O canteiro central em qualquer rodovia representa o ponto mais perigoso das pistas porque é exatamente o meio dos dois fluxos de tráfego. Um eventual acidente frontal é o mais catastrófico que possa acontecer na estrada porque limita qualquer tipo de reação do veículo ou dos veículos que estão envolvidos, e representa a principal causa de acidentes com óbitos e/ou feridos graves no Brasil. É preciso lembrar que em caso de acidente na área lateral da pista, existe a possibilidade de um veículo desgovernado sair por uma rota de fuga e não colidir com o obstáculo fixo. Já no canteiro central isso é praticamente impossível.
Na Europa, em qualquer rodovia com classe 0 e 1-A, ou seja, rodovia e via expressa com pista dupla, é obrigatório se instalar dispositivos de proteção centrais quando a largura do canteiro central for menor que 10 metros. No Brasil esta decisão fica a critério do projetista, que é o responsável pelas escolhas técnicas e que deve decidir se e qual sistema de proteção adotar, baseado nas normativas existentes.
A falta de clareza e as diferenças em alguns pontos das normas vigentes implica na adoção de critérios, por parte do projetista, baseada no seu próprio conhecimento e, no pior dos casos, sem embasamento técnico – situação essa de extrema gravidade em se tratando de matéria de segurança rodoviária envolvendo risco potencial de vítimas.
A planilha seguinte explica qual e’ a diferença das Normas no Brasil e na Europa em termos de aplicação no canteiro central e proteção do obstáculo fixo na zona livre.
Observa-se que na Europa, segundo a EN 1317/1-5, nos canteiros centrais das rodovias classe 0 e 1-A e’ obrigatória a colocação de sistemas de segurança com nível de contenção H4b (“Muito Alto” segundo a Norma brasileira); mas a aplicação da NBR 15486/2016 para os canteiros centrais prevê a possibilidade de colocar sistemas de segurança de categoria “Alto”, que na Norma Europeia significa barreiras de classe de contenção H1 até H3, que são caraterizadas por ‘crash-test’ com veículos pesados menores do que está previsto na Norma Europeia e, portanto, a caraterística de contenção da barreira será muito menor.
A tabela compara os níveis de contenção dos sistemas de proteção, ou seja, a capacidade deles de conter o veículo e redirecionar o mesmo na pista, segundo a classificação brasileira/europeia. A gravíssima falha é concentrar na classificação ALTA vários tipos de barreira usadas na Europa para a segurança de rodovias, com caraterísticas completamente diferentes das brasileiras. No Brasil se considera como nível de contenção ALTO a maioria das rodovias sob concessão, pedagiadas, com velocidade entre 90 e 110 km/h e com a presença de muitos veículos pesados. Os ensaios que demonstram a resistência e a função do sistema de proteção são divididos entre vários tipos de veículos leves e pesados. Na Europa, as barreiras tipo H1, H2, L1 e L2, são usadas só em estradas com velocidade reduzida, com pouco trânsito de veículos pesados e sem pedágio. Este tipo de contenção é ensaiado com veículos pesados de até 10 toneladas de peso.
No Brasil, este tipo de barreira com nível de contenção ALTO se instala também em rodovias onde se registra um grande tráfego de veículos pesados, com 38 toneladas ou mais de peso. Essa escolha não pode se basear só no critério do projetista, mas a norma deve indicar uma regra clara e definida. Por isso que nas normas europeias se define, sem possibilidade de erro, que em todas as rodovias pedagiadas, duplicadas e com velocidade acima de 90 km/h, o tipo de proteção usado deve ser classificado H4a e/ou H4b (no Brasil, é a categoria MUITO ALTA).
Baseados nestas informações, podemos concluir que as barreiras de segurança que vem sendo instaladas no Brasil, coerentemente com a norma vigente, são totalmente ineficientes para os veículos de carga circulantes no País.
Na planilha seguinte, extraída diretamente da Norma NBR 15486/2016 – Figura13, explica-se mais claramente como a Norma Brasileira permite a instalação de sistemas de segurança “mais fracos” nos pontos mais sensíveis (canteiro central e proteção do obstáculo fixo na zona livre) das principais rodovias do País.
A figura 13 mostra a combinação de fatores que deveriam indicar ao projetista a escolha clara sobre o tipo de proteção correto a ser usado na rodovia e/ou no específico trecho da mesma. Analisando a planilha, pode-se observar que no Brasil o único caso onde está prevista uma proteção MUITO ALTA é no caso de trecho montanhoso e sinuoso, portanto em pouquíssimos lugares da malha rodoviária brasileira, onde a velocidade dos veículos pesados é também menor. O critério correto deveria considerar que os sistemas de proteção usados nas rodovias pedagiadas, duplicadas, com velocidade acima de 90 km/h, devem ser classificados sempre como MUITO ALTO.
Concluindo, podemos afirmar que a presença de pontos controversos entre as normas que regulamentam o mesmo assunto leva os Gestores de rodoviasa e os Projetistas a ter incertezas que não contribuem para a melhoria contínua da segurança das rodovias brasileiras.
Lembramos ainda que a diferença na aplicação dos critérios de nível de contenção nos pontos críticos das rodovias – canteiro central e obstáculos fixos – entre a norma brasileira NBR 15486/2016 e a norma europeia EN 1317 /1-5, implica numa redução substancial da segurança desejada para a infraestrutura de transporte rodoviário no Brasil.
Estas incongruências, explanadas no texto e nas planilhas acima, devem ser URGENTEMENTE eliminadas para que a segurança nas rodovias do Pais alcance níveis aceitáveis.
Fonte: Revista O Empreiteiro