SEM ENGENHARIA NÃO HÁ DESENVOLVIMENTO
* Ícaro Moreno Júnior
Esse axioma criado há tempos pelo presidente emérito de nossa associação, engenheiro Francis Bogossian, me soa como um mantra para eu persistir, com paz e serenidade, porém com muito empenho e coragem, em um trabalho para superar as dificuldades que o setor de construção de obras públicas vem enfrentando desde os tempos da Operação Lava Jato. É tempo de se deixar de insistir apenas na busca de culpados ou inocentes – questão que cabe à Justiça – e caminharmos juntos: a Administração Pública responsável pelas licitações e contratos e as empresas de engenharia licitantes.
Há que se acrescentar que esse período conturbado, que chegou a ser conhecido pelo jargão de “Apagão das Canetas”, simbolizando o receio da Administração Pública de colocar em licitação novos empreendimentos pelo medo da crítica, se estende até hoje, conhecido não por dialeto popular, mas pelo conceito doutrinário de “Direito Administrativo do Medo”. Esse conceito acadêmico ilustra a situação fática atual, onde o gestor público interrompe ações administrativas em razão de eventual insegurança jurídica causada por interpretações subjetivas a leis vigentes, entre elas a Nova Lei de Licitações e Contratos ( NLLC, 14.133, de 1° de abril de 2021).
Obra da Estação Gávea ficou nove anos parada e será retomada – Foto por: Agência O Globo
O tempo, agora, é de se ter o foco no que realmente importa: a qualidade de vida da população. Nesse novo tempo rotulado contraditoriamente como um “novo normal” pós-pandemia e de aceleradas mudanças climáticas, é preciso que o setor de engenharia tenha segurança jurídica e financeira com um reconhecido empenho e transparência dos agentes públicos, para poder contribuir como elo mais importante no processo de mitigação e prevenção dos estragos climáticos que ameaçam nossa existência.
Segundo os dados divulgados durante a reunião do G20, no Rio, faltando seis anos para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda ONU 2030, houve um progresso de apenas 17% das metas das ODS’s. E cumprindo o papel que lhe cabe nesse processo de defesa da Engenharia, a AEERJ (Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro), está levando a autoridades do executivo, legislativo e órgãos controladores, propostas de medidas concretas que possam contribuir para a reativação desejada e necessária da infraestrutura pública.
São elas:
(1) Criação de uma lei que estipule critérios objetivos de aferição de exequibilidade de preços, ou obrigando que o edital traga esses critérios para propostas que apresentem descontos superiores a 25% do valor orçado para licitação pelos órgãos públicos. A Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC) determina em seu capítulo V, art.59, § 4 que em obras de engenharia propostas inferiores a 75% do valor orçado pela administração serão consideradas inexequíveis.
Segundo relatório do Tribunal de Contas da União, deste ano (2024), 11.941 obras públicas estão paralisadas no Brasil. E traz a informação: “a maior parte dos empreendimentos paralisados se concentram nos segmentos de saúde e educação, representando somadas (8.674) 72,6% do total de 11.941”.
Entre as principais causas constatadas que conduziram à ocorrência de obras paralisadas e inacabadas, aponta o relatório, estão: deficiência técnica; deficiências no fluxo orçamentário/financeiro; e abandono das obras pelas empresas contratadas. Ressalto em grifo este último item, como um alerta de que as tais interpretações subjetivas à NLLC , na questão da inexequibilidade das propostas pode ser uma das causas principais desse aumento no número de obras paralisadas.
(2) Antecipação para a fase de planejamento e apresentação de propostas a exigência de Projeto Executivo mesmo para as obras comuns. É louvável a intenção de flexibilização permitida pelo §3º do artigo 18 da NLLC, não exigindo a elaboração de projetos detalhados para obras consideradas comuns, facultando a elaboração de projeto executivo após a licitação. Mas em contrapartida, é fato que a experiência histórica no Brasil aponta que deficiências no planejamento frequentemente resultam em aditivos contratuais, paralisações, com prejuízos ao erário.
O próprio Relatório do TCU, que cito no item 1, assinala também que “o mau planejamento dos empreendimentos é o principal fator de paralisação tanto para obras de baixo como de alto valor, por exemplo: projeto básico deficiente, e falta de capacidade técnica para execução do empreendimento.
- Modificação da política municipal no Rio de Janeiro para reajustes de contratos de obras públicas, com um alinhamento de prazos e índices de correção compatíveis com princípios constitucionais e legislação vigente, e seguindo princípios que possam levar a um justo equilíbrio econômico-financeiro das empresas.
Atualmente, a prefeitura do Rio de Janeiro, através de Decreto Municipal, adota o reajuste bienal de preços em contratos de obras públicas, utilizando o IPCA-E como índice de correção a cada 24 meses. No entanto, essa escolha gera um desequilíbrio econômico-financeiro nos contratos de obras públicas, pois o IPCA-E não reflete adequadamente as variações nos custos de insumos enfrentados pelas empresas de construção civil. Entre abril de 2020 e julho de 2024, o IPCA-E registrou uma variação de 30%, enquanto os índices específicos da construção civil indicaram um aumento médio de 45% a 61%, conforme analisado no relatório.
Quanto à questão da periodicidade dos reajustes, há detalhes importantes a considerar:
- A Constituição Federal (CRFB) em seu artigo 22, inciso XXVII atribui à União a competência para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação para todas as esferas da administração pública.
- A Lei nº 10.192, de 14 de fevereiro de 2001, complementar à Lei do Plano Real, para preservar a estabilidade da moeda determina em seu artigo 2º, § 1º, que: “É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano”.
- No caso em questão, do reajuste bienal estabelecido pelo Município do Rio de Janeiro, o ente federativo reconhece o dever de reajustar preços, mas optou por aumentar sua periodicidade, causando impacto significativo no equilíbrio econômico-financeiro das empresas.
As propostas apresentadas pela Aeerj têm em conta que os contratos administrativos devem ser sinal agmáticos implicando obrigações recíprocas entre as partes. O Contratado deve executar o contrato de forma satisfatória, enquanto o Contratante tem a obrigação de remunerar adequadamente conforme os termos acordados.
Para isso, nada melhor do que a cooperação conjunta, multilateral, numa agenda de interesse comum, entre agente público e representantes da cadeia de construção para preservação e melhoria do setor de infraestrutura.