Circular pela cidade do Rio dá a impressão de que o valor do real oscila de determinadas regiões para outras. Uma nota de R$ 2, por exemplo, compra cinco pães franceses em Santa Cruz, na Zona Oeste, mas pode não ser suficiente nem para um pão inteiro no Leblon — onde uma unidade custa até R$ 2,10. Contudo, nem sempre valores discrepantes de itens ou serviços no dia a dia do carioca refletem a disparidade de renda entre a população de áreas periféricas e a de regiões mais nobres. Muitas vezes, estão embutidos nos preços acréscimos por conta da imposição de grupos criminosos, como tráfico ou milícia. Isso significa que um produto pode custar mais caro num bairro com renda per capita baixa, em comparação com o que é vendido em regiões mais abastadas. Acontece, por exemplo, com botijões de gás.
O GLOBO esteve em Santa Cruz, onde não há gás encanado, e constatou que um botijão de gás custa cerca de R$ 120. Moradores do local dizem ficar reféns dos preços ali praticados; alguns, disfarçadamente, lançam mão de estratégias para não deixar as taxas ilegais impactarem tanto o orçamento.
— Por eu ter carro, consigo buscar o botijão em Paciência, que é um bairro vizinho. Lá custa R$ 75 no depósito — disse um homem que não quis se identificar.
Quem não tem carro próprio ou não pode contar com a ajuda de um vizinho motorizado para buscar um botijão escondido do crime organizado em outro lugar tenta se adaptar.
— Economizo gás o máximo que posso. Evito, por exemplo, fazer pratos que dependam muito do forno. Assar um bolo é quase nunca — relatou uma dona de casa.
Diversas variáveis
Economista do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, André Braz explica que os preços podem sofrer influência também por conta da demanda, além da taxação criminosa.
— Existem ações criminosas em alguns bairros, e um tributo ilegal é colocado por facções em cima do preço do botijão de gás, da água, normalmente em itens essenciais. Isso obriga parte dos cariocas a viver uma extorsão. Mas a necessidade de obter certo bem também influencia. Em algumas áreas da cidade, as pessoas têm gás encanado, e o gás de botijão não é um item de primeira necessidade — diz Braz. — Mas em áreas mais distantes do grande centro não há gás encanado ainda, então o item se torna imprescindível. Já se a população pode escolher se usa gás encanado ou botijão, o preço do gás vai ter que encarar alguma competição (e tende a diminuir).
Isso pode ser o que influencia o valor do gás no Méier, por exemplo, onde há serviço de gás encanado. Por outro lado, os moradores do bairro são bastante afetados quando precisam contratar seguros de carro. Há alguns anos, com o aumento do percentual de roubo de veículos na região, os seguros foram inflacionados. Uma cotação solicitada pelo GLOBO numa mesma seguradora mostra que o valor da apólice para um Volkswagen T-Cross é 53,3% maior para um morador do Méier do que para um do Leblon. Uma das explicações pode estar relacionada a índices de roubo de veículos.
Fonte: O Globo