Rever política exitosa de preservação urbana no Rio seria um equívoco

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As Áreas de Proteção do Ambiente Cultural (Apacs), instituídas na cidade do Rio de Janeiro a partir dos anos 1980, são um avanço para preservar imóveis, ruas, praças e características peculiares dos bairros, em meio a um cenário em constante transformação. Críticos veem a legislação das Apacs como engessamento, mas sem ela a memória da cidade corre risco.

Compreende-se que normas que orientam o crescimento da cidade sempre suscitarão debates, saudáveis para discutir os rumos do desenvolvimento urbano preservando o patrimônio e garantindo a qualidade de vida de moradores e visitantes. Mas não se pode simplesmente pôr abaixo uma conquista de décadas, que até hoje sobreviveu a diferentes governos, ideologias e políticas.

Por tudo isso, é preocupante que o novo Plano Diretor, sancionado na semana passada pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), abra brecha para enfraquecer o projeto das Apacs. A legislação aprovada pela Câmara, que orientará a evolução da cidade pelos próximos dez anos, afirma que “dentro do período de vigência deste Plano Diretor, as Apacs deverão passar por avaliação”. Depois da sanção, Paes afirmou que Apacs não serão revistas em seu governo. Melhor assim. Mas, como o trecho não foi vetado, a possibilidade está aberta.

As Apacs são mais abrangentes que os tombamentos tradicionais, pois fixam normas para bairros inteiros. Tiveram origem no Projeto Corredor Cultural, de 1979, foram aperfeiçoadas e ampliadas nas décadas seguintes. Um de seus méritos é conjugar preservação e desenvolvimento urbano. As áreas não se tornam intocáveis, apenas ganham regras para disciplinar o crescimento e preservar as paisagens que projetaram o Rio internacionalmente.

Hoje a cidade conta com 34 Apacs (ou assemelhadas). Entre elas, os bairros de Santa Teresa e Urca, trechos de Laranjeiras, Cosme Velho, Leblon, Marechal Hermes e Santa Cruz, a Ilha de Paquetá, os Arcos da Lapa, a Fábrica de Tecidos Confiança (Vila Isabel) e áreas no entorno de bens tombados.

A política do “liberou geral” já rendeu ao Rio perdas irreparáveis. Uma delas é visível na atual Avenida Rio Branco, antiga Avenida Central. Inaugurada pelo prefeito Pereira Passos em 1905, inspirada nas reformas urbanísticas de Paris, foi quase toda descaracterizada. Todos os prédios do antigo bulevar haviam sido escolhidos num concurso que reuniu os arquitetos mais brilhantes da época. Restaram pouquíssimos, como a Biblioteca Nacional, o Theatro Municipal, o Museu Nacional de Belas Artes, o Clube Naval, o edifício Docas de Santos.

É possível que, ao longo das últimas décadas, legisladores tenham cometido um ou outro exagero nas Apacs, que podem ser rediscutidos. Mas seria um erro rever uma política que deu certo e deveria inspirar cidades Brasil afora. É o tipo de equívoco para o qual não haverá conserto.

Fonte: O Globo