Renegociação de dívidas estaduais exige transparência

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A iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de apresentar um Projeto de Lei Complementar com regras para a renegociação das dívidas de estados com a União tem o mérito de colocar o Congresso num debate essencial: como tornar sustentáveis as finanças dos entes federativos. Desde os anos 1990, diversos programas foram adotados para que, no longo prazo, as dívidas estaduais deixassem de ser um problema. Nenhum funcionou. Estados endividados se queixam — não sem razão — de que os critérios do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) em vigor desde 2017 as tornaram impagáveis.

Em dezembro passado os estados deviam R$ 852 bilhões. São Paulo (R$ 304 bilhões), Rio de Janeiro (R$ 194 bilhões), Minas Gerais (R$ 157 bilhões) e Rio Grande do Sul (R$ 127 bilhões) respondiam por mais de 90% do total. Quatro estados aderiram ao RRF: Rio, Rio Grande do Sul, Goiás (dívida de R$ 22 bilhões) e Minas. Em troca de medidas para aumento de receitas e corte de despesas, eles usufruem moratórias temporárias e financiamentos com garantias da União. Nem sempre as contrapartidas têm sido honradas. O Rio, que tem a pior relação entre dívida e receita (portanto, a pior capacidade de pagamento), entrou recentemente com ação no Supremo Tribunal Federal alegando ser impossível cumpri-las. O Rio Grande do Sul passou a se beneficiar de uma moratória de três anos em razão da tragédia climática recente.

A proposta de Pacheco se sustenta numa ideia sensata: o abatimento de dívidas por meio da entrega de empresas e outros ativos estaduais ao governo federal. Nada mais lógico do que se desfazer de bens para reduzir endividamento — é o que costumam fazer cidadãos e empresas em apuros. Mas tudo fica mais complexo quando se consideram os interesses políticos que cercam a questão. Deputados, senadores e governadores estão interessados em se beneficiar da maior rodada de renegociação de dívidas estaduais desde o fim dos anos 1990. Pacheco, em particular, tenta se cacifar para concorrer em 2026 ao governo de Minas, um dos estados beneficiados pelo projeto.

Sua proposta estabelece relação entre as condições cumpridas pelos estados e o alívio nas condições de pagamento das dívidas, hoje sujeitas a juros de 4% além da correção monetária. Dependendo das contrapartidas, os juros poderiam ser até zerados. Se o estado entregar à União ativos avaliados em 10% da dívida, caem um ponto percentual; se entregar 20%, dois pontos; se investir os recursos em educação, infraestrutura ou segurança, ganha direito a mais um ponto; e pode alocar mais outro ponto percentual num Fundo Nacional de Equalização de Investimentos, destinado a todos os estados. Obviamente o plano incomoda governadores de estados com finanças equilibradas, que se julgam punidos pela gestão responsável do dinheiro público. É duvidoso que se satisfaçam apenas com os recursos do fundo comum.

Um ponto central na engenharia financeira são os critérios de avaliação dos bens usados para reduzir o endividamento. Teme-se que a União e, por tabela, todos os contribuintes recebam ativos estaduais superavaliados. Cabe questionar: por que os próprios estados não vendem suas empresas e outros bens no mercado para pagar as dívidas? Sem transparência e critérios de mercado, o projeto de Pacheco não passará de um biombo sofisticado para esconder o mais simplório calote.

Fonte: O Globo