Questão de manutenção em Mariana
Francis Bogossian
A despeito da aprovação da Lei 12.334, em 20 de setembro de 2010 — que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens destinadas à acumulação de água para quaisquer usos e à disposição final ou temporária de resíduos industriais —, continuamos assistindo de camarote aos fenômenos de ruptura de barragens sem que nenhuma obrigação tenha sido cumprida.
Mortes e perda de patrimônio público e privado continuam ocorrendo e se alastrando pelo país afora. A ruptura da barragem de resíduos de Mariana espalha suas consequências desastrosas, de Minas para o Espírito Santo.
Apesar de a Lei 12.334 criar o Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens e alterar a redação do artigo 35 da lei 9.933 de 8 de janeiro de 1997 e do artigo quarto da lei 9.984 de julho de 2000, na prática, “tudo continua como Dantes no mar de Abranches”. É inacreditável!
E, vejam: este é um país de dimensões continentais, com inúmeros rios e córregos, que precisam não somente atravessar o Brasil pelos seus percursos naturais, mas também serem contidos em barragens, com os fins de abastecimento de água e de energia, e para a acumulação de resíduos.
Com frequência cada vez maior, o Brasil tem assistido a desastres causados pelo rompimento de barragens, sejam elas de acumulação e retenção de água ou de resíduos. Nos fins do ano 2009, os telejornais mostraram os estragos causados pelo rompimento de uma construída para regulação do nível de um rio na periferia de São Paulo. Chuvas intensas e excepcionais, mas não totalmente improváveis ou imprevistas, castigaram várias regiões do país naquele ano.
Tais acidentes poderiam ser evitados com correta manutenção. Barragens não são estruturas convencionais como a maioria das obras civis. Exigem atenção permanente do proprietário, em função das mudanças contínuas nas solicitações a que são submetidas durante a vida útil. Este não é assunto para leigos. Só engenheiros especializados são capazes de avaliar as reações e o comportamento delas, de propor medidas preventivas e corretivas, além de acompanhar se tudo está compatível com o projeto.
Barragens não são estruturas convencionais. Exigem atenção permanente, em função das mudanças contínuas nas solicitações a que são submetidas.
Barragens são sempre vitimadas pelos excessos de precipitação, que podem causar aumentos bruscos de cargas por elevação não prevista do nível da água ou pelo encharcamento dos resíduos contidos. Muitas têm sistemas de monitoramento que precisam ser lidos continuamente, seguindo um manual. Não podem, portanto, ficar abandonadas à própria sorte, sem que se obedeçam às medidas de segurança destinadas a impedir sua degradação.
A qualidade das obras públicas vem sendo posta em xeque na imprensa. Todos se perguntam como tantos desastres podem acontecer quando a engenharia brasileira é reconhecida internacionalmente pelo alto padrão técnico. Lógico que pode haver erros de concepção, projeto, planejamento ou gestão, mas a principal razão para os recorrentes eventos a que temos presenciado é a falta de manutenção.
Obras de engenharia precisam de manutenção permanente, não apenas para aumentar e garantir a vida útil da construção, mas, principalmente, por motivos de segurança. O gasto com manutenção de uma estrutura de concreto, por exemplo, é 25 vezes menor do que o custo de renovar a estrutura deteriorada, isto sem contar os possíveis riscos de acidentes.
Esta é uma verdade incontestável, mas dificilmente obedecida, principalmente no setor público! Não há no Brasil uma consciência da importância dos gastos com manutenção, que deveriam ser permanentes e não esporádicos.
O Brasil precisa de uma lei de Responsabilidade Administrativa, com regras claras, para nos anteciparmos aos desastres previsíveis.
Francis Bogossian é presidente do Conselho Consultivo da Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro.