Quando não vale a pena economizar
“Foi uma surpresa, como outras que
poderão ocorrer”, afirma o engenheiro Francis Bogossian, presidente da
Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro (Aeerj), ao se referir
ao recente deslizamento de terra nas encostas do túnel Rebouças. Para ele, o
problema pode se repetir em muitos outros municípios do Rio e do Brasil, como
Salvador, na Bahia, e cidades do interior mineiro. Por isso mesmo, propôs em
meados de 2006, à então governadora Rosinha Garotinho, a criação de um órgão
estadual, semelhante à Fundação Instituto de Geotécnica do Município do Rio de
Janeiro (Geo-Rio), para atender, com recursos e pessoal especializado, às
dificuldades vividas pelos municípios na proteção de suas encostas. “A
governadora entusiasmou-se com a idéia, mas estava em fim de mandato. O atual
Secretário de Obras do Estado e vice-governador, que já viveu o problema na pele
como prefeito no interior do Rio, também mostrou-se receptivo à idéia”, conta.
No entanto, a mesma ação não ocorreu por parte do governo federal. A Carta de
Angra, documento das entidades de classe da construção enviado ao Ministério das
Cidades também em 2006, com a proposição de uma Geo-Rio em âmbito federal,
sequer foi respondida. “Nenhuma ação foi implementada. O que se pode esperar é
uma sucessão de novos desastres a cada verão carioca”, diz.
Competência sem recursos
Mas, voltando à situação vivida no Rio, Francis Bogossian se diz temeroso
de indicar, sem inspeções prévias, outros locais onde tragédias semelhantes ou
ainda piores poderão ocorrer com as chuvas. Ele recorda as chuvas torrenciais
que aconteceram na cidade há 40 anos, provocando o desmoronamento de várias
construções em áreas de encostas e soterrando muitas vítimas. Na ocasião, a
prefeitura criou o Instituto de Geotécnica (IG), que se transformou depois em
Geo-Rio, especialmente para prevenir acidentes e projetar soluções. “O órgão
congrega uma equipe das mais competentes de engenheiros, geólogos e técnicos
especializados em geotecnia. A Geo-Rio é considerada a segunda melhor
instituição do gênero no mundo, ficando atrás apenas da Geo Hong Kong”, destaca.
No entanto, chama a atenção para um aspecto importantíssimo: “Competência sem
recursos é o mesmo que cirurgião sem bisturi. Entre 1993 e 1997, o volume de
licitações na Geo-Rio atingia uma média de R$ 44 milhões por ano. Nos quatro
anos seguintes, 2000/2003 – esta média caiu para R$ 29 milhões. A partir daí
tornaram-se inexpressivos: R$ 1,4 milhão em 2004; R$ 7,5 milhões em 2005; R$ 7,4
milhões em 2006 e R$ 9,6 milhões até setembro deste ano”.
Por isso, defende investimentos contínuos na realização de estudos como
medida fundamental para a apuração do melhor tratamento a ser dado às encostas,
o qual pode ser passivo, uma solução barata e rápida, que consiste na drenagem
das águas, para que não causem erosão e diminuam a resistência do terreno. “É
uma drenagem superficial e profunda, com proteção de taludes e plantio de
vegetação”, esclarece. Caso a inspeção indique problemas, o tratamento tem de
ser ativo, isto é, constituído por obras de estabilização da encosta. “Os
projetistas vão indicar os diferentes tipos de muros a serem usados e as
soluções mais eficientes, rápidas e econômicas”.
Francis Bogossian é enfático: “a economia é uma medida errada. É preciso
gastar para evitar acidentes, inclusive com mortes. As autoridades só querem
resolver o problema quando aparece. Há falta de interesse para buscar verbas.
Estudando com antecipação os problemas geotécnicos e desenvolvendo estudos
preliminares, se gasta apenas 1% do que se gastaria com obras de reparo”.
Corte e aterros
Bogossian vai mais além, vai à causa do desmoronamentos, que é o
desmatamento dos morros, para conseguir plataformas para construir moradias ou
os tradicionais “puxadinhos”. Para ele, a responsabilidade é do poder público,
que não oferece alternativa de habitação para as camadas mais pobres da
população. “E o governo ainda financia compras de materiais para as ampliações
em áreas planas, obtidas através de cortes e aterros que desestabilizam as
encostas”.
A extinção do Banco Nacional da Habitação (BNH), há 21 anos, é considerada
uma das causas do problema, pois provocou uma crise imobiliária da qual só agora
o País começa a sair, por meio de nova legislação e aumento da oferta do
crédito. Em sua análise, como o esforço se volta para a classe média, a
população com renda até três salários mínimos continua sem opção, concentrando o
maior déficit habitacional, pois não tem emprego com carteira assinada e não
consegue comprovar renda, não restando outra saída senão morar em favelas, onde
o número de pavimentos nas casas aumentou bastante, o que comprova a falta de
opção.