Ao contrário do que se vendia no dia a dia midiático judicial, a cruzada institucional promovida pela Operação Lava Jato não procurou poupar, em qualquer âmbito, nenhuma das empresas investigadas, mesmo diante das consequências econômicas que já se projetavam. Longe disso.
Sem condenação própria, as empresas passaram a suportar penas ainda maiores que os próprios dirigentes. Pior, a blitzkrieg judicial, com suas sucessivas busca e apreensões, congelamento de ativos, medidas cautelares de toda sorte e vazamentos seletivos, mirava justamente inviabilizar as atividades empresariais, tudo a obrigar a assinatura de acordos de leniência pelas próprias pessoas jurídicas, na esperança de manter suas portas abertas.
De nada adiantou, porém. Hoje se verifica que o martírio das pessoas jurídicas se eterniza com pouca perspectiva, mesmo porque, para além das cifras (não raro, bilionárias), suas atividades —em especial a contratação com o poder público— são submetidas a restrições desmesuradas ou até mesmo sobrepostas entre os mais diversos órgãos estatais, numa época de falta de cooperação ou mesmo concorrência por protagonismo.
Por isso mesmo, agora, as empresas que celebraram os acordos acabaram numa situação bem pior do que aquelas que não aderiram, mesmo que por falta de oportunidade.
Já à época, contudo, essa prática de jogar fora a água suja com a criança dentro era questionada por vários setores da sociedade, inclusive pelo próprio Poder Judiciário, na figura do então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, no sentido de que a Lava Jato “(…) destruiu empresas. Isso jamais aconteceria nos Estados Unidos. Jamais aconteceu na Alemanha”. A dura —embora corretíssima, inclusive sob a perspectiva internacional— não comoveu.
Como se vê, vigorava uma miopia institucional, quiçá um falso messianismo, em que a sanha condenatória da referida operação, ainda hoje utilizada como plataforma política, deveria prevalecer sobre as atividades das empresas, inclusive sobre os empregos delas decorrente.
Evidência grave disso foi a previsão incluída nos acordos de leniência de que os compromissos financeiros deveriam ser pagos independentemente de qualquer situação de recuperação judicial. Sim, os acordos disponíveis à consulta pública têm, por padrão, a mesma declaração sobre “a impossibilidade de inclusão dos créditos decorrente do presente acordo em plano de recuperação judicial”, como se fosse possível afastar o artigo 49 da Lei de Recuperação Judicial de modo meramente convencional (se é possível chamar algo desses acordos como convencional).
Certo de que não se deve ter compromisso com os erros do passado, especialmente aqueles que afetam a coletividade, resta à contemporaneidade a árdua tarefa de sanear essas e outras inconsistências que atravancam o desenvolvimento do país e criar condições, dentro da legalidade, para que a indústria brasileira de construção pesada retome suas atividades —tão importantes para o desenvolvimento socioeconômico e para a geração de empregos aqui no Brasil.
Essa retomada passa, necessariamente, pela discussão das inúmeras situações de inconstitucionalidades como esta previsão em que as cifras extraordinárias, alcançadas com um casuísmo incompreensível, foram constituídas como uma nova espécie de crédito, de importância superior a outros constitucionalmente prioritários, como o pagamento de impostos e verbas trabalhistas.
Somente a jurisdição constitucional é capaz de enfrentar um problema de tamanha magnitude. Exemplos disso são as recentes decisões do já mencionado Dias Toffoli nos autos da reclamação 43.007/DF, bem como a audiência de conciliação determinada pelo ministro André Mendonça nos autos da ADPF 1.051/DF, onde se iniciou um diálogo, anteriormente minado, entre instituições tão relevantes como CGU, AGU e TCU, que se irmanam pela mesma missão de proteção —verdadeira— do bem público.
Nessa esteira que se apresenta a Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.613, de relatoria de Toffoli, como um reforço à necessidade de se afastar posturas incompatíveis com aquilo que a Constituição Federal reputa como prioritário, como o desenvolvimento nacional, a proteção ao trabalho e a garantia da ordem econômica. Princípios dirigentes de nosso país que não podem ser submetidos, ou mesmo excepcionalizados, por quem quer que seja.
Fonte: Folha de S. Paulo