O poder paralelo avança pelo Rio sem limites. O prefeito Eduardo Paes denunciou, nesta terça-feira, em uma rede social, que bandidos exigiram R$ 500 mil da empreiteira responsável pela implantação do Parque Piedade, na Zona Norte, na área onde ficava a antiga
Universidade Gama Filho. Como O GLOBO apurou, três homens foram anteontem até o canteiro fazer a cobrança: “Ou paga ou a obra não sai”, teria dito um deles. Após a ameaça, a empresa notificou a prefeitura sobre a extorsão. A Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e Inquéritos Especiais (Draco/IE) investiga o caso.
Na postagem, o prefeito marcou a Polícia Federal e o ministro interino da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Cappelli: “Obviamente não vamos aceitar. O pedido foi feito direto à empreiteira”, escreveu Paes. Em resposta, Cappelli afirmou ter recebido relatos iguais de outros prefeitos do Rio e que “o crime organizado destrói a economia e o desenvolvimento”. Segundo ele, “é inaceitável este estado paralelo”.
Há menos de um mês, a PF e o Ministério Público fizeram uma operação na Zona Oeste que trouxe à tona como a quadrilha do miliciano Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, hoje preso, exigia dinheiro de empresas com projetos em andamento na região. Os investigadores localizaram no celular de um bandido planilhas de pagamentos com os nomes de três empreiteiras. A extorsão estava tão estabelecida que os valores podiam ser quitados por meio de Pix, e a empresa poderia até emitir nota fiscal. A cobrança era denominada pela organização criminosa como “taxas de segurança”.
PF analisa se vai investigar
Nesta terça-feira, apesar da ameaça, operários trabalharam no canteiro. Em frente ao terreno, há uma placa apenas com o nome do parque e algumas fotos, sem qualquer dado sobre a obra. A lei determina que um painel deve informar a data de início e previsão de término da construção, o custo do projeto e o nome da empresa. No entanto, diante da
ação de grupos criminosos que vêm extorquindo dinheiro de empreiteiras, a prefeitura decidiu burlar a legislação e omitir o valor das obras.
Em nota, o secretário de Ordem Pública, Brenno Carnevale, afirmou que “recebeu de Paes a determinação para denunciar aos órgãos de Segurança que o crime organizado estaria cobrando dinheiro da empresa responsável pelas obras do Parque Piedade e ameaçando paralisar o trabalho”. No texto, ele diz que prefeitura e Seop “não medirão esforços para auxiliar na investigação”. Não se sabe se as ameaçaram partiram de traficantes ou de milicianos.
A Polícia Federal, citada por Paes, informou que vai avaliar se o caso foi registrado e se é de competência da corporação investigar.
Procurado, o Consórcio Piedade HFB, responsável pela obra, não respondeu. Em nota, a Associação das Empresas de Engenharia do Rio diz que “está acompanhando os casos de extorsões em diversos canteiros espalhados pela cidade” e espera “a solução por parte das autoridades competentes para que as obras sejam realizadas sem violência, preservando vidas e cumprindo o cronograma esperado pela população”.
— Essa prática vem se tornando cada vez mais frequente no Rio. É uma perda de controle da institucionalidade pública, ou seja, a imposição de taxações que deveriam ser um dos monopólios do Estado — analisa Daniel Hirata, professor de sociologia e coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense.
O Parque Piedade é um dos grandes projetos da prefeitura, que deve gastar mais de R$ 110 milhões para criar uma área verde e de lazer na Zona Norte. O projeto, a cargo da Secretaria municipal de Infraestrutura, prevê um centro cultural, esportivo e educacional, erguido em parceria com a Fecomércio, além de espaço para feiras e eventos, academia, campo de futebol, pista de skate, parque infantil e parque aquático com direito a cachoeira artificial.
As obras foram iniciadas em setembro do ano passado, com a demolição dos dois primeiros prédios que pertenciam ao antigo Colégio Piedade, dentro da área de cerca de 18 mil metros quadrados onde ficava o campus que fechou as portas em 2014.
A promessa da prefeitura é de que o novo parque seja inaugurado até o fim do ano que vem. O custo previsto da obra é de R$ 65 milhões. Além disso, serão gastos mais R$ 47 milhões com a desapropriação da área, cujo valor foi depositado em juízo.
‘Status de poder paralelo’
De acordo com denúncia do MPRJ, no mês passado, o grupo ligado ao miliciano Zinho chegava a decidir pelo embargo da obra, em caso de atraso no pagamento da taxa. Em Campo Grande, Santa Cruz, Nova Sepetiba e Ilha de Guaratiba, foram encontradas tabelas de controle de pagamentos com o termo “obras pref”. Na época, a prefeitura lembrou que, em agosto do ano passado, funcionários de uma empresa que atuava nas obras do Bairro Maravilha Sandá, em Bangu, pagas com dinheiro público, foram agredidos por criminosos e que o caso foi registrado na delegacia.
— Esse tipo de atuação criminosa se vale do medo e da impunidade, para manter um status de estado paralelo. Por isso, é fundamental que seja feita uma investigação rigorosa para desmantelar essa rede criminosa e, assim, encorajar a sociedade a denunciar essa prática — afirma o antropólogo Robson Rodrigues, ex-chefe do Estado-Maior Geral da PM do Rio. Fonte: O Globo.