Uma das grandes tragédias brasileiras tem sido não aprender nada com grandes tragédias como a do Rio Grande do Sul
Ao longo da nossa história, uma das grandes tragédias brasileiras — lamentavelmente — tem sido não aprender nada com as grandes tragédias. A cada novo desastre provocado pela natureza (infelizmente, algo cada vez mais comum por causa das mudanças climáticas), autoridades das mais variadas instâncias fazem promessas de acudir em prazo recorde as populações atingidas e asseguram que não faltarão recursos para recuperar as áreas destruídas. Passado um tempo, no entanto, tudo isso começa a cair no esquecimento: a força-tarefa dos governantes migra para outros campos de prioridades políticas e a burocracia começa a criar obstáculos quase intransponíveis para a celeridade necessária ao trabalho de reconstrução. Outro caos aparece e o ciclo vicioso se repete.
Em meio à destruição provocada pela enxurrada de enormes proporções no Rio Grande do Sul e diante da comoção nacional em torno da tragédia, houve uma resposta inicial robusta, com destinação recorde de recursos públicos de forma a amenizar o drama e iniciar os esforços para o reerguimento do estado. Muita coisa se fez desde então, deve-se reconhecer, mas o fato é que a dimensão inédita das inundações não permite nenhum tipo de esmorecimento nas muitas fases ainda necessárias para devolver alguma tranquilidade ao cotidiano dos gaúchos. Passados 100 dias das enchentes, há ainda um rastro descomunal de estragos. Para ter uma ideia do tamanho do desafio, cerca de 90% dos municípios seguem em estado de emergência ou de calamidade. A construção das moradias prometidas nem sequer saiu do papel, algo muito preocupante diante de um cenário em que há ainda perto de 3 000 desabrigados. No setor de infraestrutura, o Aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre, vem se recuperando lentamente do baque, com previsão de normalização de seu funcionamento somente em outubro. As estradas continuam também com muitos problemas. A estimativa mais recente dá conta de quase 3 000 quilômetros com interdições. Em resumo: o cenário está muito longe da normalidade.
Realizada durante duas semanas, reportagem da edição conta em detalhes os esforços em andamento, assim como os entraves que emperram o ritmo da reconstrução. Encarregados da missão, os jornalistas Luiz Antônio Araujo (texto) e Carlos Macedo (foto) conferiram de perto a situação de Muçum, uma das cidades que mais sofreram com a tragédia. Cerca de um quarto da população deixou o município, localizado a 155 quilômetros da capital. A destruição não poupou nem o cemitério. “Túmulos, lápides e estátuas foram espalhados pelo terreno e até hoje não há como enterrar parte das vítimas”, relata Araujo. Sepultar esse e tantos outros problemas que ainda restam no Rio Grande do Sul exigirá muito mais das autoridades brasileiras. O drama gaúcho não pode cair no esquecimento.
Fonte: Veja