O abstrato no momento brasileiro
Francis Bogossian e Edson Monteiro
Engenharia, no sentido lato, é um substantivo abstrato, algo que não se consegue pegar. Mas as atividades desse ser abstrato – as obras – são concretas, a gente vê acontecer, elas são inauguradas, elas passam a fazer parte do cotidiano de cada um. Por isso se diz que a engenharia constrói o país. Nas guerras, por exemplo, as imagens dos litigantes são as construções destruídas, ou seja, são o esfacelamento daqueles alvos concretos que a engenharia abstrata erigiu.
Quando a sociedade em geral ouve dizer que o Brasil corre o risco de ver sua engenharia dizimada, ela não se sensibiliza, porque para ela só são tangí- veis as obras já construídas. Lembram-se da perimetral do Rio de Janeiro? Houve muita “chiação”, independentemente de haver ou não sentido na sua demolição. Porém, quando são interrompidas as obras do COMPERJ, por exemplo, a sociedade não se sente constrangida, mesmo se sabendo que 90% do empreendimento já estão concluídos. Infelizmente, 90% não significam obra completa, não repercutem como algo concreto, são ainda substantivos abstratos.
O Brasil vive uma crise que sua sociedade sente no supermercado. Porque o dinheiro é tangível. Quando os cidadãos param para pensar na causa da carestia não a associam à suspensão dos investimentos, sejam eles causados pelo contingenciamento federal ou pela decisão financeira da direção da Petrobrás de interromper seus planos de investimento. Mas essa é a causa verdadeira. O pior é que tais decisões não provocam apenas a subida dos preços, mas também o aumento da dificuldade de assumi-los, na hora dos pagamentos, episódio propiciado pelo desemprego. O cidadão constata o crescimento dos preços e não conta no seu bolso com os recursos do contracheque, simplesmente porque tal substantivo concreto não mais lhe chega a cada mês.
É duro dizer-se isto, mas é verdade! A falência da engenharia provocada pelo modelo econômico que não mira o processo e o desenvolvimento, lan- çando no lixo a competência técnica que, pelo menos, três gerações de engenheiros produziram no Brasil, tem raízes causais no interesse alienígena de conquista colonialista moderna. Para dominar o Brasil e assumir definitivamente suas riquezas – estáticas e dinâmicas – não será preciso guerrear como no Oriente Médio, bastará interferir nas decisões do legislativo e usar a Lava Jato como veneno diário de escândalo junto aos cidadãos brasileiros. Isto é concreto para o povo em geral.
Pensando isentamente, a Lava Jato, apenas por ter sido instalada, deveria ser incentivo ao trabalho e motivo de satisfação nacional, por deixar visível a competência brasileira em detetar abusos de corrupção. Ao contrário, é usada como plataforma de desmoralização da engenharia, justamente sobre a maior causa de orgulho de nosso povo no campo das realizações técnicas, a Petrobrás. Oxalá, a engenharia sobreviva e o legislativo não cometa o pecado de destruir o concreto que já existe.
Oxalá, suas decisões sejam atos que permitam o prosseguimento da construção do país. Oxalá, saibam preservar a Petrobrás e, por extensão, as milhares de empresas e os milhões de empregos inerentes a tal preservação. Se o povo compreendesse isso, a abstrata engenharia teria lugar junto a ele, como a paixão futebolística o tem, por exemplo. Bom seria que o povo fosse apaixonado por essa atividade fundamental ao futuro de seus filhos e netos. A História mostra que isto não seria incoerente com os feitos alcançados pela engenharia brasileira, aqui e no exterior.
Francis Bogossian é presidente do Clube de Engenharia
Edson Monteiro é chefe de gabinete da Presidência do Clube de Engenharia