Que essa revolução seja constante e garanta nossa esperada universalização no prazo planejado
No (não tão) longínquo ano de 2019, as discussões sobre o Novo Marco do Saneamento Básico (NMSB) pegavam fogo. No contexto catastrófico de atendimento do país, que até aquele momento era desconhecido da maioria da população, mas que, felizmente, dada a melhoria na qualidade do debate, ganhou notoriedade pública, apenas 5% dos municípios eram atendidos por empresas privadas.
Em artigo que publiquei aqui na Folha em 29 de maio de 2019, chamado “A água, as tarifas e os salários”, mostrei que, entre 2014 e 2017, quando a inflação foi de 21%, várias empresas estaduais de saneamento aumentaram seu custo por funcionário em até 85%, enquanto os investimentos eram cada vez menores.
No calor da discussão, a medida provisória 868, relatada pelo então senador Tasso Jereissati, caducou, por falta de acordo sobre o texto do substitutivo (que abria em definitivo o mercado para as empresas privadas). Dali surgiu o projeto de lei 3.261/2019 (apresentado pelo próprio Tasso, nos exatos termos do substitutivo, sendo finalmente aprovado pelo Senado e seguindo para a Câmara, onde ganhou relatoria do deputado Geninho Zuliani).
Por manobra regimental (para dar mais protagonismo à casa), se transformou no PL 4.162/2019, que, finalmente, virou a lei 14.026/2020, conhecida como o NMSB (aprovado no dia 24 de junho de 2020, após longos 540 dias de discussão).
Quando políticas públicas inovadoras são propostas, o ceticismo é natural. Porém, o NMSB trouxe mecanismos inéditos: previu não apenas metas claras e objetivas (universalização de 90% de coleta e tratamento de esgoto e 99% de água canalizada) mas também um prazo (até 2033) e, mais importante, um choque imediato (perda das operações) para os incumbentes (estatais) que não conseguissem comprovar que possuíam capacidade econômico-financeira para fazer frente aos investimentos necessários à universalização dos municípios atendidos.
Mesmo com as mudanças dos decretos em 2023, que flexibilizaram as regras e impediram que 494 municípios fossem licitados (permitindo que o controle desse grupo permanecesse estatal), incluindo nessa lista capitais como Belém e São Luís (respectivamente com 17% e 50% de coleta atual de esgoto), o setor privado alcançará, muito em breve (com as iniciativas formidáveis de privatização em São Paulo e de concessão em Sergipe e no Piauí), 28% dos municípios e mais de 1/3 da população brasileira!
É natural que o movimento completo de desestatização demore. Como comparação, o setor elétrico iniciou suas privatizações em 1995, interrompeu-as em 2000 (após 14 estados serem privatizados), retornando apenas em 2016 (a partir de quando outros 11 estados foram privatizados, além da Eletrobras, a nível federal).
Porém, hoje, energia elétrica é o serviço público mais universalizado do país, garantindo investimentos anuais da ordem de R$ 80 bilhões. Por isso, em um contexto em que mais de R$ 700 bilhões em investimentos serão necessários no saneamento até 2033, ter esse primeiro avanço tão significativo da participação privada em apenas quatro anos é tão fantástico.
Que a revolução no saneamento básico seja constante e garanta nossa esperada universalização dentro do prazo planejado: que vença a saúde; que vença o meio ambiente; que vença o bom senso; que vença o Brasil!
Fonte: Folha de S. Paulo