Nas ruas do Rio, crateras e remendos malfeitos não poupam sequer áreas vizinhas às usinas de asfalto da prefeitura
Quando a prefeitura inaugurou a Usina de Asfalto Antonio Ramos, no Caju, em agosto de 2013, as irmãs Débora e Sueli da Cruz imaginaram que a Rua Carlos Seixas iria ganhar uma pista de rolamento novinha em folha. Afinal, a fábrica foi instalada na movimentada via, por onde circulam ônibus e funcionam escolas e empresas. Mas o caminho foi o contrário: elas só viram a rua, que passa diante de três comunidades, se deteriorar dia após dia.
A reclamação de Débora e Sueli não é um caso isolado. Na contramão do histórico do Rio, às vésperas de eleições municipais, o asfalto em frangalhos é motivo de queixas da Zona Sul à Zona Oeste. Os serviços de pavimentação às pressas, na reta final da campanha, acabaram ofuscados tamanha a quantidade de buracos e remendos malfeitos nas ruas. Um reflexo da queda livre das verbas destinadas à conservação de vias.
— Quando chove, só Jesus na causa. É muita lama, sobretudo em frente à usina — conta Débora.
O presidente da Associação das Empresas de Engenharia do Rio, Luiz Fernando Santos Reis, engrossa as críticas:
— A cidade é um buraco só. A prefeitura não está pagando em dia, não está cumprindo os contratos, e as empresas estão executando as obras conforme o ritmo que recebem.
Em entrevista ao GLOBO semana passada, o prefeito Marcelo Crivella disse que teve que escolher entre “cuidar das pessoas ou tapar buracos”. Jorge Luiz Ferreira Figueira, o Dão, presidente da Associação de Moradores do Jardim São Geraldo — loteamento vizinho ao distrito industrial de Campo Grande, na Estrada do Pedregoso, onde foi implantada uma das quatro usinas de asfalto da prefeitura — discorda. A casa de Dão fica na esquina da Estrada do Pedregoso, uma via sem conservação.
— O prefeito não cuidou das pessoas nem dos buracos — afirma, citando o atendimento na rede de saúde. — Nos postos e clínicas da família da região, há muita gente despreparada e sem treinamento. Isso quando há médicos.
A prefeitura tem quatro usinas de asfalto. A de Campo Grande voltou a funcionar há três semanas, “por causa das eleições”, segundo um funcionário. A do Caju também opera. Na da Taquara, em Jacarepaguá, a saída dos caminhões é apenas pela manhã para serviços de tapa-buraco, conforme vizinhos. A de Santa Cruz, na Rua Álvaro Alberto, está em manutenção e “sem ordem para fornecer massa asfáltica”, informou um empregado.
— As pistas da Álvaro Alberto estão uma vergonha. A rua do outro lado da linha do trem ainda está pior (Rua do Império) — conta Boaventura Santos, morador de Santa Cruz.
Pavimenta Rio: lentidão
Levantamento feito pelo gabinete da vereadora Teresa Bergher (Cidadania), a pedido do GLOBO, mostra que, considerando sete ações orçamentárias relativas a asfalto e pavimentação, em valores atualizados, a despesa liquidada (autorização para pagar) caiu quase pela metade (de R$ 130,8 milhões para R$ 77,6 milhões), de 2017 para 2020 (até 6 de outubro). Em relação à proposta orçamentária para 2021, o valor estimado é reduzido: R$ 78,4 milhões.
Em outubro passado, Crivella anunciou o programa Pavimenta Rio. Em abril, firmou três contratos para as zonas Norte e Oeste e a Baixada de Jacarepaguá, que somam R$ 139 milhões. Do total, apenas R$ 25 milhões foram liquidados. Antes, a prefeitura recapeou o Aterro, aplicando um selante. A obra teria sido executada com material inadequado e provocado derrapagens, de acordo com relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM). Em alguns trechos já há buracos.
— Há mais de dez buracos na pista do Aterro entre o Monumento a Estácio de Sá e o Aeroporto Santos Dumont — diz Miguel Lasalvia, presidente da Comissão de Segurança no Ciclismo no estado.
La Salvia cita também a Avenida Vieira Souto, entre as ruas Garcia D’Ávila e Maria Quitéria, em Ipanema, onde remendos perpendiculares ao canteiro provocam solavancos nos veículos. Ele observa ainda que trechos das faixas da direita da Rua Jardim Botânico, onde passam os ônibus, estão afundando.
Ainda na Zona Sul, o presidente da Sociedade Amigos de Copacabana, Horácio Magalhães, diz que vias do bairro viraram um queijo suíço tantos são os calombos e as rachaduras. Em Botafogo, a presidente da associação de moradores, Regina Chiarádia, pediu num grupo de WhatsApp que citassem pistas com o asfalto degradado. Nelson Mandela, São Clemente, Sorocaba, Dona Mariana e Muniz Barreto foram algumas delas. Mas houve quem não conseguisse escolher.
— É buraco para todo o canto — constata a aposentada Denise Franco.
Morador de Ipanema, Paulo Cezar Ribeiro, professor do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ, diz que, no seu bairro, o maior problema são os desníveis entre o asfalto e a calçada. Na esquina da Aníbal de Mendonça com a Epitácio Pessoa, a situação é pior: há um espaço de cerca de dez centímetros entre pista e meio-fio.
— Isso é perigoso para os pedestres. Não sei se o projeto ou a execução é de má qualidade — ressalta ele. — Já os calombos e os buracos nas pistas fazem o carro quicar e podem provocar acidentes graves.
Na Avenida Oswaldo Aranha, na Praça da Bandeira, buracos não faltam. Chegando a Jacarepaguá, na Estrada do Tindiba, nas imediações do número 580, há 15 dias apareceram dois buracos no sentido Taquara, e um, menor, na direção do Tanque.
— Estou vendo a hora em que vai acontecer um acidente — prevê o motoboy Wanderson Ramos.
Serviço dura um dia
Há cinco meses, um buraco próximo à estação do BRT Arroio Pavuna, na Estrada dos Bandeirantes, provoca acidentes com frequência. Na quarta-feira, O GLOBO foi ao local e encontrou a depressão na pista sinalizada por pneus. No dia seguinte, foi tapado, mas por pouco tempo.
— O asfalto já está rachando — reclama Antônio Oliveira, que mora nos arredores.
Procurada, a Secretaria municipal de Infraestrutura, Habitação e Conservação alegou que o relatório do TCM sobre o Aterro tem seis meses e que “a aderência do material utilizado é a ideal para o local”. A pasta não informou sobre gastos e a quantidade de buracos tapados e quilômetros pavimentados, nem sobre atrasos em pagamentos.