Portaria da pasta de Minas e Energia facilitou concessão de benefício e recebeu críticas de especialistas
São Paulo e Rio de Janeiro
Portaria editada pelo MME (Ministério de Minas e Energia) em junho afrouxou exigências para a aprovação de projetos de energias renováveis que buscaram extensão do prazo para obter benefícios.
O ministério tem poder legal para ditar as regras, mas a medida criou constrangimentos na Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que adota critérios mais rígidos que os definidos na portaria. Nesta terça-feira (6), a agência anunciou a habilitação de 601 projetos, com capacidade instalada total de 25,5 GW (gigawatts) para obter descontos no uso da rede de transmissão de energia.
Quando os projetos entrarem em vigor, a conta de luz vai subir cerca de 3%, e o consumidor vai pagar R$ 7 bilhões, por ano, de custos adicionais em subsídios, segundo estimativas preliminares de Angela Gomes, diretora-técnica da consultoria especializada em energia PSR.
A adesão ao benefício havia sido encerrada em fevereiro de 2023. Ocorreram várias tentativas para incluir a extensão do prazo em jabutis inseridos em projetos de lei em tramitação no Congresso, sem sucesso. Por fim, o prazo acabou sendo prorrogado pela MP (medida provisória) 1.212, editada em abril.
A função inicial da portaria do MME era estabelecer os critérios para as garantias apresentadas pelos investidores. As exigências foram rígidas, criando uma régua elevada, que limitou a participação a grandes empresas e investidores bem capitalizados.
A lista de projetos aprovados pela Aneel traz empreendimentos eólicos e solares de grandes companhias como Chesf, da Eletrobras, Neoenergia, das francesas EDF e Voltalia, da portuguesa EDP, da Lightsource e da Casa dos Ventos.
Esta última responde por ao menos um terço de toda a capacidade instalada que foi beneficiada pela extensão do benefício.
A reportagem procurou empresas com projetos habilitados para entender em que estágio se encontravam, mas não havia obtido resposta até a publicação deste texto.
A prorrogação dos subsídios via MP do governo atraiu protestos de grandes consumidores de energia e especialistas no setor, diante dos impactos sobre a já pressionada tarifa de energia do país. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a fazer uma reunião com o ministro Alexandre Silveira e vários representantes do setor, que apresentaram o alerta pessoalmente.
Diante da polêmica, a MP não chegou a ser apreciada pelo Congresso e perdeu a validade nesta quarta (7). No entanto, enquanto vigorou, teve força de lei, e os empreendimentos habilitados pela Aneel no seu período de vigência terão acesso ao benefício.
A MP deu um prazo de 18 meses para que os investidores iniciem as obras. A portaria do ministério de Alexandre Silveiradetermina que a Aneel considere como início de obras apenas a implantação de um canteiro e a apresentação de um comprovante de compra de equipamentos.
Segundo o texto do ministério, “a comprovação do começo da implantação do canteiro de obras, que abrangerá a delimitação da área do canteiro e a montagem de infraestruturas de apoio à construção, ou documento comprobatório de aquisição das unidades geradoras.” Ou seja, uma cerca e um banheiro químico já qualificam o início da obra.
A Aneel avalia itens como estágio de escavação, fundações das estruturas e a presença de equipamentos no local para considerar que a obra foi instalada.
Além disso, a portaria também permite que o investidor altere características técnicas e localização do projeto habilitado, num texto com redação considerada confusa. Atualmente, já é possível fazer essas mudanças, mas mediante análise e autorização.
O texto não traz essa condicionante, e especialistas ouvidos pela Folha chegaram à avaliação que só pode ser um erro de redação, porque não se permite tal liberalidade. “A portaria parece ter um problema de redação”, diz Edvaldo Santana, que foi diretor da Aneel. “É impossível alguém mudar o lugar da usina sem prévia autorização da agência, que exige um novo documento de acesso, que é complicadíssimo.”
A portaria questionada aponta o seguinte: “Cumprido o requisito do início das obras, o empreendedor poderá, sem perda do direito à prorrogação […] alterar as características técnicas do empreendimento, incluindo localização e parâmetros das unidades geradoras.” Em um exemplo hipotético, uma usina inicialmente no Piauí poderia ser transferida para Salvador, e sua potência elevada de 100 megawatts para 200 megawatts.
Procurado pela reportagem, o ministério não respondeu aos questionamentos específicos sobre possível erro de redação na norma, nem sobre os motivos que levaram ao afrouxamento das regras.
Em nota, a pasta afirma que “todas as questões (alteração de características técnicas, localização e etc.) devem seguir as normas de regência da Aneel”. Afirma também que a MP “estimula o desenvolvimento do setor elétrico e a transição energética no Brasil”.
Seja como for, para especialistas, os termos reduziram as exigências.
“Realmente, a portaria está bastante frouxa”, diz o advogado Rafael Marinangelo, especialista em direito da construção, energia e licitações. “Abrir um canteiro de obra, que é simplesmente um suporte, não significa que a obra será levada a termo.”
Ele diz ainda que a portaria é temerária, ao abrir a possibilidade de problemas futuros para o setor. Uma obra de geração de energia, explica, demanda debate prévio com a concessionária de distribuição, que avaliará a necessidade de reforços na rede para receber a nova energia.
Por isso, a possibilidade de mudança de localização do empreendimento após sua aprovação não deveria ser considerada. “Quando a distribuidora aprova o projeto, ela emite documento que se chama orçamento de conexão, que indica a aprovação, localização e necessidades de adequação da rede.”
A edição da MP já havia sido alvo de críticas de especialistas também porque o Brasil vive cenário de excedente de energia, o que reduziria ainda mais as justificativas.
Ao lançar a portaria, o MME justificou a prorrogação do incentivo dizendo que havia no país projetos em andamento que não foram adiante por atrasos na construção de linhas de transmissão. A medida, assim, adequaria as obras de geração à capacidade de transporte da energia.
Leia abaixo a íntegra do comunicado enviado à Folha pelo ministério.
A MP 1.212/2024 corrige descasamento devido a atrasos em leilões de transmissão antes de 2022.
Ela também estimula o desenvolvimento do setor elétrico e a transição energética no Brasil, criando condições para que a oferta de geração limpa e renovável se antecipe em relação à nova demanda (hidrogênio).
A medida ainda reduz o estoque de 88 GW de “projetos de papel” para até 26 GW efetivamente viáveis – energia eólica (11,4 GW), solar (14,1 GW) e biomassa (140 MW). A redução foi possível devido as condicionantes de aporte de 5% de garantia e início de obras em até 18 meses (outubro de 2025).
Com estas medidas, a expectativa é de que sejam atraídos R$ 96 bilhões em investimentos e gerados cerca de 296 mil empregos em dez estados brasileiros.
O MME esclarece, ainda, que conforme consta na MP 1.212/2024 e na PORTARIA NORMATIVA Nº 79/GM/MME, DE 6 DE JUNHO DE 2024, todas as questões (alteração de características técnicas, localização e etc.) devem seguir as normas de regência da ANEEL.
Fonte: Folha de S.Paulo