O compliance em ano eleitoral
Mayra Moriconi
Nas modernas democracias, o sistema social estrutura-se a partir de três setores que interagem e se fiscalizam reciprocamente: o Estado, o mercado e a sociedade civil. O equilíbrio desse sistema passa, necessariamente, pela política.
O Estado, composto pelos entes estatais, detém os poderes de legislar, de polícia e de administração de bens públicos, sempre orientado pelo princípio do interesse público. O mercado formal é constituído por agentes econômicos privados que competem entre si e têm como finalidade o lucro, aliado, hodiernamente, também a um propósito social. A sociedade civil, ao seu turno, é concebida por organizações e movimentos privados que realizam as ações públicas não estatais.
Para que cada um dos atores do sistema social cumpra adequadamente sua função em consonância com os princípios democráticos, morais e éticos, é imperiosa a sintonia entre seus interesses, meios e fins, pois o desvirtuamento dessa harmonia leva à corrupção, com o emprego de meios públicos para fins privados.
Um dos grandes riscos de se romper o equilíbrio do sistema social ocorre quando parte do mercado, de alguma forma, financia campanhas eleitorais, com o intuito de conduzir políticas governamentais, intervindo nos demais setores. Por outro lado, em certas ocasiões, o mercado também é abordado pelos próprios representantes do Estado, para aportar recursos em campanhas eleitorais com promessas de benefícios, em uma relação cíclica deletéria.
Em outubro desse ano haverá eleições. A participação, controle e transparência do debate eleitoral são fundamentais para que se mantenha o saudável equilíbrio entre os três setores do sistema social, valorizando a participação dos agentes econômicos e sociais nas decisões de governo, de forma regular. Para tanto, especificamente em se tratando do mercado, sua atuação legítima está intrinsicamente vinculada à cidadania corporativa e a boa governança das empresas, fundamentais para uma economia justa e sustentável a longo prazo.
Nessa linha, desde 2015, são vedadas doações eleitorais realizadas por pessoas jurídicas, com fundamento no Princípio da Moralidade da Administração Pública, cuja finalidade seria impedir a captura do processo eleitoral pelo poder econômico. O grande desafio do TSE é dar transparência e fiscalizar o financiamento de campanhas, considerando que possíveis práticas fraudulentas ainda ocorrem, tal como é noticiado pela mídia. Por isso, é de vital importância a prevenção de riscos, evitando-se que empresas sejam eventualmente punidas com base na Lei Anticorrupção.
A implantação de um programa de Compliance robusto com regras particulares sobre doações eleitorais é premissa para as boas práticas do mercado formal, notadamente em tempos em que as autoridades de controle e a sociedade têm demonstrado tolerância zero à corrupção.
Para além, também é preciso pensar e desenvolver novos mecanismos de prevenção e controle, aprimorando a legislação que regula a matéria, a fim de abarcar todos os agentes econômicos, formais e informais, na fiscalização das doações de campanhas, conferindo maior transparência, lisura e integridade no processo eleitoral. Assim, ao fim e ao cabo, ganhamos todos.
* Mayra Moriconi é diretora jurídica e compliance officer da AEERJ