Bomba atômica fiscal
Mayra Moriconi
Caros leitores, imaginem uma empresa com receitas em queda, altas despesas e com um montante considerável de dívidas. Os acionistas, então, nomeiam um novo CEO para buscar reverter a situação. Expectativas elevadas são criadas e o novo executivo, em seu primeiro dia, surge com uma solução simples, fácil e rápida para diminuir as dívidas e melhorar o balanço da empresa. Qual a solução encontrada?
Determinar que as dívidas que não fossem reconfirmadas em 90 dias pela nova diretoria – nomeada por ele – seriam automaticamente excluídas do seu passivo, se transformando em dívidas não contabilizadas. Desta forma, bastaria que sua equipe nada fizesse e pronto. Você compraria ações desta empresa? Acreditaria no seu futuro? Seria seu fornecedor?
Pois bem, todos somos acionistas com direito a voto nesta empresa chamada Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e é exatamente isto que está na iminência de se consumar. A nova gestão municipal editou 75 decretos no dia 1º de janeiro, chamando atenção pela proatividade e pelos conceitos contidos de empreendedorismo, inovação e integridade.
Contudo, um dispositivo de elevado potencial destrutivo está embutido em um deles. Trata-se do art. 1º do Decreto 48.364: “§ 2º Os Restos a Pagar (RPs) que não forem ratificados pelos ordenadores até 31 de março de 2021 deverão ser cancelados pelo órgão de origem da despesa”. A AEERJ viu e imediatamente se insurgiu, enviando ofício ao alcaide.
Assim como o armamento nuclear que nomeia este artigo, além das vítimas imediatas, com a falência de diversos fornecedores e extinção de milhares de empregos, os efeitos negativos serão profundos e duradouros.
Com o cancelamento dos RPs, os fornecedores serão submetidos a uma verdadeira via crucis para receber seus créditos e a situação fiscal da PCRJ será artificialmente melhorada, aumentando indevidamente a sua capacidade de investimento e de contrair novos empréstimos, cujos pagamentos acumulados, inclusive das dívidas, podem gerar a insustentabilidade das contas públicas.
A sociedade, a mídia, o Judiciário e os órgãos de controle devem atuar em prol da sustentabilidade e fiabilidade das finanças públicas. Todos nós, fluminenses, sentimos os efeitos nefastos da utilização de receitas extraordinárias (royalties) para pagamento de despesas correntes (previdenciárias). Bombas fiscais de efeitos retardados não podem ser toleradas.
Sublinhe-se que ninguém, e muito menos a AEERJ, é contra uma nova conferência – apesar de não prevista em lei – da procedência dos valores pendentes de pagamento pela municipalidade. O que se repudia é que direitos adquiridos – recebimentos por materiais fornecidos e serviços prestados – sejam passíveis de cancelamento automático simplesmente por inércia ou omissão do próprio devedor. Enquanto continuarmos sendo o país do passado incerto, nunca alcançaremos o futuro almejado.
A AEERJ continua ativa e vigilante na defesa das empresas, dos empregos, da segurança jurídica e da população. O legado vive.
*É presidente-executiva interina e advogada da Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro (AEERJ)