Até setembro, as concessões de crédito habitacional com recursos da poupança somaram R$ 65,6 bilhões
Com os recursos disponíveis para o financiamento imobiliário praticamente esgotados este ano, a Caixa tem direcionado as construtoras para uma nova linha de crédito com taxas mais elevadas do que os empréstimos indexados à poupança.
A estratégia se soma ao aperto já realizado nas condições de acesso ao crédito imobiliário às famílias e é mais um sinal de esgotamento do modelo atual de financiamento habitacional no país.
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A decisão afeta empresas da construção de todos os portes, à exceção daquelas que atuam no Minha Casa, Minha Vida e acessam os recursos do FGTS. Assim como os consumidores pegam dinheiro emprestado para comprar a casa própria, as construtoras podem financiar a obra dos novos empreendimentos por meio do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE).
Nessa modalidade, os bancos usam parte dos depósitos da poupança, com remuneração mais barata que a Taxa Selic, para conceder crédito imobiliário com juros mais vantajosos.
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Esse modelo, porém, vem dando sinais de esgotamento devido ao deslocamento dos investimentos da população para outras opções mais rentáveis que a caderneta, o que resulta em redução no saldo disponível para o financiamento habitacional. Ao mesmo tempo, o mercado imobiliário está muito aquecido, com diversos lançamentos e bastante demanda dos brasileiros por empréstimos.
Uso acelerado de recursos
Nesse contexto, a Caixa, que é líder isolada no crédito habitacional, com quase 70% do mercado, criou em outubro uma alternativa. A opção, contudo, usa recursos livres, sem o direcionamento obrigatório da poupança, e é indexada ao CDI, que segue a Taxa Selic, hoje em 11,25% ao ano.
Segundo um interlocutor a par do assunto, desde setembro o banco vinha pisando no freio na concessão a construtoras por meio do SBPE. Na prática, a estratégia é preservar os recursos da poupança para as pessoas físicas.
A Caixa argumenta que a nova linha funciona como uma complementação ao crédito com recursos da poupança, mas admite que preserva o SBPE “do uso acelerado dos recursos, tendo em vista o cenário de crescente demanda de crédito no mercado de habitação”.
“Ao diversificar as fontes de financiamento e utilizar a modalidade ‘Recursos Livres’ para as construtoras, a Caixa amplia suas estratégias, assegurando a continuidade das contratações, bem como o equilíbrio e a sustentabilidade dos recursos destinados ao crédito imobiliário. A linha garante que tanto as famílias quanto as empresas da construção civil continuem tendo acesso ao crédito habitacional”, disse, em nota.
Até setembro, as concessões de crédito habitacional com recursos da poupança somaram R$ 65,6 bilhões, conforme o balanço da Caixa do terceiro trimestre, de um orçamento total para 2024 de cerca de R$ 72 bilhões. Ou seja, sobraram em torno de R$ 6 bilhões para o período de outubro a dezembro.
Por isso, a partir de novembro, a Caixa endureceu as regras de financiamento habitacional para as famílias. Agora, o banco só financia até 70% do valor do imóvel pelo Sistema de Amortização Constante (SAC). Até outubro, a cota era de até 80% do valor do imóvel. Já pelo sistema Price, o banco passou a financiar até 50% do valor do imóvel, ante 70%. O cliente também agora só pode ter um financiamento ativo pelo banco público.
Mesmo assim, a procura dos brasileiros por crédito para financiar a casa própria continua grande. Na divulgação do resultado do terceiro trimestre, em meados de novembro, o banco contabilizava uma fila de R$ 20 bilhões em contratos pré-aprovados para financiamento habitacional. Restava, porém, um saldo de apenas R$ 3 bilhões para distribuir em empréstimos.
Para “proteger” os interessados em financiar imóveis com taxas de juros mais baixas que as de mercado, a instituição vem prorrogando os contratos pré-aprovados até o fim do prazo de validade, chegando até fevereiro e março de 2025.
A alternativa de funding para as construtoras mostra mais uma faceta da crise do financiamento imobiliário do país. Juntos, governo, bancos e indústria da construção vêm debatendo soluções, mas ainda sem desfecho.
Alternativas em estudo
A Caixa, por exemplo, defende o aumento da destinação obrigatória de recursos da poupança para o crédito habitacional, mas enfrenta resistência do Banco Central, preocupado com a inflação. Outra opção estudada é desenvolver um mercado secundário no país, por meio da estatal Emgea. A complexidade é grande, contudo.
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O governo também vem fazendo uma gestão do Orçamento do FGTS, usado para financiar o Minha Casa Minha Vida. Conforme mostrou O GLOBO, o crédito para compra de imóveis usados desabou depois das medidas tomadas pelo Executivo.
Em evento da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) na semana passada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva garantiu que não vai faltar crédito para “fazer casas nesse país”.
— Nós queremos cuidar do povo brasileiro, só que tem uma parte do povo que precisa da mão do Estado e tem outra que não precisa. E essa que não precisa, a gente também tem que tomar cuidado, facilitando a vida dos empresários. Por isso, Renato, eu quero dizer para você uma coisa: não faltará crédito para a gente fazer as casas nesse país — disse Lula, se dirigindo a Renato Correia, presidente da Cbic.
Cbic considera alta nos imóveis a partir de R$ 350 mil
As restrições no financiamento habitacional devem se refletir no preço dos imóveis a partir do próximo ano, avalia Renato Correia, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic). A pressão nos preços deve afetar unidades voltadas para a classe média, a partir de R$ 350 mil, e as opções para o alto padrão.
Para Correia, o novo patamar de preço é resultado não apenas da restrição em recursos da poupança, alvo de um volume maior de saques em um cenário de juros mais altos.
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— A Caixa criou uma alternativa que impacta o custo financeiro da construção e isso deve obrigar um repasse de preço nos lançamentos que virão com a nova linha. Mas há tendência de alta no custo de mão de obra, pela alta empregabilidade no país, no de materiais e no financeiro, devido ao aumento da Taxa Selic e pela escassez de crédito à construção — diz Correia.
Segundo ele, como o cenário é de demanda em alta, reforçada pela melhoria no ganho de massa salarial, enquanto os mercados têm ainda estoques baixos, o movimento de aperto vai ser empurrado para outros bancos.
E, ainda que o saldo da poupança esteja estável nos últimos dois anos, afirma Correia, tanto o Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) quanto o FGTS estão no limite de uso e não deverão crescer em recursos a imóveis.
Terceiro melhor ano
Ainda assim, 2024 será o terceiro melhor ano em financiamento imobiliário com recursos do SBPE, diz Correia. O recorde de R$ 205 bilhões foi registrado em 2021, seguido do resultado de R$ 186 bilhões no ano seguinte e, do total alcançado no ano passado, de R$ 150 bilhões.
— Mas em 2024, até outubro, considerando todos os bancos, já são R$ 154 bilhões, sendo que 50% das unidades foram financiadas pela Caixa. Então, mesmo retirando o crédito via SBPE, vamos superar R$ 160 bilhões no ano, ultrapassando o resultado de 2023 — afirma ele. — Interrupção de financiamento não é boa para o mercado, mas estamos com alta aplicação de recursos da poupança na construção.
Fonte: O Globo