Francis quer prioridade para empresas genuinamente nacionais

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Hora do PovoEntrevista a Valdo Albuquerque25/02/2011

Francis quer prioridade para empresas genuinamente nacionais

“As empresas brasileiras não contam com vantagens especiais de crédito para se expandir”, afirmou o presidente do Clube de Engenharia

Foi incentivando a empresa nacional que a Petrobrás desenvolveu toda tecnologia de exploração do petróleo em águas profundas e agora está fazendo o mesmo no pré-sal”, afirmou ao HP o presidente do Clube de Engenharia e da Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro (AEERJ), Francis Bogossian.

Ele defendeu o desenvolvimento de uma indústria fornecedora de bens e serviços para o setor do petróleo e gás para atender aos níveis de produção planejados para Petrobrás, o que “não é tarefa simples” e “exigirá decisão política, o enfrentamento dos lobbies privados internacionais, as pressões de governos estrangeiros e o despertar da criatividade e inovação das empresas genuinamente nacionais, instituições públicas, universidades e centros de pesquisa”.

Francis Bogossian também é membro da Academia Brasileira de Educação (ABE) e vice-presidente Executivo da Academia Nacional de Engenharia (ANE). A seguir, a entrevista concedida à Hora do Povo.

HP – No governo FHC acabou-se com a distinção entre empresa brasileira de capital nacional e de capital estrangeiro. Assim grande parte dos financiamentos do BNDES é direcionada às subsidiárias das multinacionais. O que fazer no sentido de fortalecer a indústria genuinamente nacional?
Francis Bogossian: Deve ser estabelecido, inicialmente, um marco regulatório com benefícios explícitos para as empresas de capital nacional. Falo em benefícios tarifários, cooperação com centros de pesquisa direcionados para a inovação tecnológica, apoio do Governo Federal para o adensamento das cadeias produtivas nacionais e fixação pela Petrobrás de percentual obrigatório para conteúdo nacional. As empresas deveriam ser incentivadas a investir na formação profissional e em pesquisa. Assim como é permitido usar um percentual do imposto de renda para investir em cultura, porque não se pode criar incentivos para aplicar em educação, pesquisa e qualificação?

Não sou contra a empresa estrangeira. As empresas brasileiras também são estrangeiras quando trabalham em outros países. A Petrobrás é um exemplo. Atua em vários países e com enorme sucesso.

O problema é que as empresas genuinamente brasileiras não contam com vantagens especiais de crédito fácil e barato aqui para se expandir. Estou falando das médias e pequenas empresas brasileiras. Ser empresário de engenharia no Brasil melhorou após a valorização da moeda, mais ainda nos dá a sensação de “montanha russa”. Somos um país de empreendedores e poderíamos ser mais inovadores. O empresário no Brasil é visto como um explorador, um sonegador de impostos que só visa ao lucro, não como alguém que arrisca seu capital para dar empregos e desenvolver o país.

No Brasil ganha dinheiro quem investe no mercado financeiro, não no mercado produtivo, como acontece nos países desenvolvidos. E o capital especulativo estrangeiro se aproveita desta nossa fraqueza.

A burocracia, os encargos trabalhistas e fiscais, inúmeras leis e regulamentos, que mudam diariamente e os custos financeiros fazem com que estes gastos impeçam que as empresas invistam em pesquisa e desenvolvimento de produtos. Desta forma, os empresários genuinamente brasileiros, que não têm um braço no exterior para desenvolver a pesquisa e novos produtos, ficam em desvantagem.

A Petrobrás entende isto e sempre incentivou empresas genuinamente brasileiras a desenvolver seus produtos. A minha empresa mesmo, a Geomecânica, que trabalha para a Petrobrás há quase 40 anos e sempre foi apoiada por ela, desenvolveu sistemas e equipamentos para a geotecnia offshore que permitiram nacionalizar serviços. Foi incentivando a empresa nacional que a Petrobrás desenvolveu toda tecnologia de exploração do petróleo em águas profundas e agora está fazendo o mesmo no pré-sal. Mas isto é a Petrobrás que é uma empresa pública.

HP – Tal qual nos financiamentos do BNDES, também ocorre nas compras e licitações dos órgãos de governo. Como enfrentar essa situação para consolidar as cadeias produtivas nacionais?
FB: O Governo Federal deve trabalhar pela coordenação entre os entes responsáveis pela política industrial, tecnológica e comercial. Os ministérios de Desenvolvimento e Ciência e Tecnologia devem assumir papel relevante nessas políticas. Os recursos e juros subsidiados do BNDES precisam ser utilizados para promover estas políticas. Devemos destacar o papel das políticas macroeconômicas neste processo. Sem o efetivo controle do fluxo de capitais para garantir taxas de câmbio competitivas, políticas ficais e monetárias adequadas, nada do que propugnamos será possível.

HP – A descoberta do pré-sal abriu a possibilidade do Brasil dar um salto no seu desenvolvimento. Que medidas devem ser adotadas para que a indústria genuinamente nacional possa atender as demandas da Petrobrás, que será a operadora nessa camada?
FB: A mais importante delas é investir na Educação. Quando eu digo investir é realmente concentrar todos os esforços para que o país possa mudar de patamar. A desigualdade no Brasil é enorme, resultado, principalmente, do analfabetismo que continua a registrar taxas absurdas. Hoje a maioria das crianças brasileiras está na escola, mas muitas sem conseguir entender o que lêem e sem saber elaborar um cálculo básico. É indispensável que o governo invista na formação dos professores. O profissional de ensino é desvalorizado. Os salários são irrisórios, o que desestimula completamente a profissão. Com isto, entra-se em um ciclo vicioso. Os estudantes chegam à graduação com enormes deficiências e não conseguem se recuperar porque precisam estudar e trabalhar para pagar a universidade. No mundo de hoje não há mais espaço para as pessoas que não têm qualificação profissional. Estas ficam alijadas da sociedade. Não arranjam emprego. Não se poderá promover a inovação tecnológica se não houver mestres e doutores com boa formação e orientação adequada.

Desenvolver uma indústria fornecedora de bens e serviços para o setor do petróleo e gás para atender aos níveis de produção planejados também não é tarefa simples. Exigirá decisão política, o enfrentamento dos lobbies privados internacionais, as pressões de governos estrangeiros e o despertar da criatividade e inovação das empresas genuinamente nacionais, instituições públicas, universidades e centros de pesquisa.

Na Engenharia, a formação de mestres e doutores deve ser direcionada para que o conhecimento gerado faça parte do esforço pelo desenvolvimento da tecnologia nacional. A universidade e os centros de pesquisa públicos estão hoje, em grande medida, sem coordenação com o mercado e as políticas de soberania do país. Penso, portanto, que a renda do pré-sal deve ser direcionada parcialmente para resgatar o passivo socioeducacional brasileiro. O Ministério da Educação deve também ser integrado neste esforço.

HP – A exploração do pré-sal implica em investimentos em inovação e projetos de alta tecnologia. Quais as propostas do Clube de Engenharia para formação de mão-de-obra de excelência tecnológica e científica?
FB: Lutar por uma revolução da Educação no Brasil, unindo os Ministérios da Educação, Comércio e Indústria, Ciência e Tecnologia e Comunicação para promover o desenvolvimento da empresa nacional. Todos os elos da cadeia produtiva devem trabalhar juntos para se estabelecer uma política que promova o desenvolvimento sustentado do país. É preciso que as empresas brasileiras sejam fortes e capazes de competir, não só com as estrangeiras que estão no país como também com aquelas que exportam para o Brasil produtos e serviços para os quais não dispomos ainda de estruturas com suficiente robustez.

Entrevista a Valdo Albuquerque para o
jornal Hora do Povo – Edição 25/2 a 1/3/2011