Formação de engenheiros no Brasil é um desafio

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Jornal do CommercioOpiniãoA-1527/04/2010

Formação de engenheiros no Brasil é um desafio

Francis Bogossian
Presidente do Clube de Engenharia e da AEERJ e membro efetivo das Academias Nacional e Pan-Americana de Engenharia e Academia Brasileira de Educação

Um país, para se desenvolver, precisa de engenheiros. Os números estão aí para provar que os países que mais crescem são aqueles que mais investem na formação de engenheiros. No Brasil formam-se, por ano, aproximadamente 30 mil engenheiros, enquanto na Coreia do Sul, que vem registrando um extraordinário desenvolvimento tecnológico, esse número chega a 80 mil por ano, para uma população de 49 milhões de habitantes. Isso significa que o Brasil forma um engenheiro para cada 6 mil habitantes, enquanto nos Estados Unidos há, aproximadamente, um engenheiro para cada 3 mil, e na Coreia, um para cada 625 mil habitantes, constatou o professor Vareli Fava de Oliveira, com base em dados do Inep. Na China e na Índia saem das universidades, , por ano, 400 mil e 250 mil engenheiros, respectivamente.

Penso que, no Brasil, o desinteresse dos estudantes começa no início dos cursos de graduação, pela antiquada formatação das grades das disciplinas ofertadas. Deixo fora as engenharias química, agronômica e outras, que usam estruturas curriculares diferenciadas e restrinjo-me às áreas profissionais mais oferecidas pelas instituições de ensino superior, como engenharias civil, mecânica e elétrica.

Nos últimos 50 anos o mundo mudou com grande velocidade e o ensino da engenharia no Brasil não acompanhou o ritmo da evolução social e tecnológica. As grades curriculares dos cursos ainda são basicamente as mesmas de 1960 e não atendem nem às expectativas dos alunos nem àquelas de qualificação para o mercado de trabalho.

Os alunos passam os dois primeiros anos no Básico, praticamente repetindo e detalhando algumas disciplinas do ensino médio. Lógico que é necessário maior aprofundamento em Matemática e Física. Elas são a base da engenharia. No entanto, essas ciências precisariam ser ministradas com conteúdos práticos para que os estudantes visualizassem a importância delas para uma formação consistente na profissão que escolheram. Como hoje não há essa correlação, o desestímulo é enorme e um grande número de estudantes abandona o curso ainda no Básico ou pede transferência para outras carreiras.

Paralelamente, há uma sólida preocupação do MEC e das universidades com a formação acadêmica de seus professores, exigindo mestrado e doutorado para dar aula na graduação. Mas não são exigentes com a formação profissional. Há engenheiros professores que nunca executaram projetos reais, nem trabalharam em obras, nem em empreendimentos de sua área.

Os estudantes que conseguem ultrapassar os dois anos iniciais do Básico escolhem a especialidade que querem seguir sem ter um conhecimento geral da carreira. Baseiam-se muito na demanda de empregos no momento. Algumas instituições de ensino tentam preencher esse vácuo com palestras de renomados engenheiros, mas isso é muito pouco. Um maior contato com a profissão deixaria o aluno mais bem capacitado, sem o olhar míope para determinado foco.

Os cursos de medicina e direito, por exemplo, exigem que os alunos cursem disciplinas referentes às áreas mais importantes de cada carreira. As matérias são obrigatórias, independentemente da vontade ou da tendência do estudante de seguir esta ou aquela especialidade. Essa visão geral só contribui para uma formação mais ampla e sólida.

Ainda comparando a formação dos engenheiros com a dos médicos e dos advogados, no Brasil salta aos olhos a carência da Certificação Profissional na Engenharia. O engenheiro graduado obtém o registro no Crea apenas com seu diploma, enquanto médicos necessitam cumprir residências e bacharéis de direito precisam passar no exame da OAB para advogar. Nos países desenvolvidos, o engenheiro, assim como o médico e o advogado, também enfrentam um processo de certificação para serem considerados aptos a exercer a profissão e assumir a responsabilidade técnica por projetos e obras.

O descasamento do ensino da engenharia com o mercado de trabalho no Brasil cresceu significativamente com os avanços da ciência e da tecnologia. Muitas empresas têm dificuldade para contratar profissionais, uma vez que os estudantes recém-formados não preenchem os requisitos necessários à função. Uma integração sistemática das empresas, tanto do setor privado quanto do público, com as Escolas de Engenharia constitui fator primordial para alavancar a qualidade do ensino. Convênios entre universidades e o mercado de trabalho para atividades práticas regulares, participação dos professores em pesquisas nas empresas, obras ou outros empreendimentos, elaboração de projetos reais nas instituições de ensino, bem como a obrigatoriedade de estágios supervisionados por profissionais sêniores, seriam caminhos a explorar.

Não tenho a pretensão de ter a fórmula do sucesso, mas é claro que o assunto precisa ser debatido com urgência para que a engenharia possa seguir o crescimento do país. O governo federal até pensa em criar uma empresa ou órgão federal especializado na elaboração de projetos de infraestrutura, porque considera isto um gargalo para a execução das obras. As Escolas de Engenharia não poderiam contribuir efetivamente com a elaboração desses projetos constituindo um “banco” que os armazenasse dentro de uma sequência de planejamento?

Estas são apenas algumas sugestões para que se comece uma discussão sobre o assunto, reunindo o Ministério da Educação, entidades de classe dos engenheiros, ouvindo empresas, estudantes e professores para transformar o atual anacrônico ensino de engenharia em um instrumento de graduação coerente com as necessidades do país. E que se enfrente, de uma vez, o desafio de implantar a Certificação Profissional na Engenharia.