FGTS: destinação ameaçada
Francis Bogossian, empresário
A cada dia surge uma idéia nova para desviar parte dos recursos do FGTS de seus objetivos principais:
habitação popular e saneamento básico. O FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) foi criado em 1966 para apoiar os trabalhadores na aposentadoria, em demissão sem justa causa ou em casos de doenças graves. Nestes quase 40 anos atingiu mais de R$ 100 bilhões em caixa, remunerados a 3% ao ano, mais TR. Dinheiro barato que atrai a cobiça, principalmente em momentos de escassez de recursos.
Permitir que tais recursos sejam destinados a outras finalidades que não aquelas para os quais estão legalmente destinados é não querer reconhecer a carência do país nas áreas de saneamento e habitação e, conseqüentemente, na geração de empregos.
De acordo com levantamento do IBGE, 25% dos 41,8 milhões de domicílios brasileiros não são atendidos por rede de abastecimento de água e 55% não têm acesso a esgoto sanitário. O Ministério das Cidades já sabe que precisa investir R$ 178 bilhões, nos próximos 20 anos para universalizar esses serviços. O déficit de habitações no Brasil está estimado em 6 milhões de moradias. Desse total, 92% são para famílias com faixas de renda de até cinco salários mínimos. Isso explica o número de favelas. Em 1992, o país contava com 717 favelas. Em 2000, o número tinha subido para 3.905. No Rio, o censo de 2000, do IBGE, mostrou que a população das favelas ultrapassou 1 milhão, registrando um aumento de 23% em relação a 1991, enquanto a população não favelada cresceu apenas 3%. Com o fim do BNH, em 1986, o país perdeu o rumo da área de habitação.
É verdade que os recursos do país são escassos, mas é também verdade que não estão sendo utilizados como deviam. Dos recursos do programa governamental PAR e do FGTS, disponibilizados para construção de habitações, cerca de R$ 3 bilhões, em 2001, deixaram de ser utilizados. Dos R$ 6,6 bilhões destinados em 2002, grande parte ficou sem ser investida. Em 2003, esse quadro se repete. A Caixa anunciou que tem R$ 5,3 bilhões para investir em habitação, mas até setembro só tinha conseguido liberar R$ 2,7 bilhões.
As prefeituras não podem se candidatar aos investimentos em função do contingenciamento do setor público. As construtoras acabam impossibilitadas de se capacitar às verbas, em função das regras e de uma burocracia superlativa impostas pela Caixa.
Esses recursos vêm sendo disputados para outros fins. A Bolsa de Valores de São Paulo viu no FGTS a garantia de um fluxo constante de recursos para o mercado de capitais. Assim nasceu projeto de lei prevendo que um oitavo dos 8% dos vencimentos dos empregados, mensalmente depositados em conta do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, seja segregado em uma subconta para investimentos em ações. Ou seja, captura 12,5% dos recursos ativos do FGTS, cerca de R$ 12,5 bilhões de reais, e passa a capturar mensalmente 12,5% de cada depósito, o que significa mais R$ 2,6 bilhões por ano, para aplicação na Bolsa. Com isso reduz o orçamento do FGTS para saneamento e habitação.
Garantia de empréstimos bancários, compra de eletrodomésticos e até o pagamento de cursos superiores são alguns outros usos propostos. Deixa-se de estimular o financiamento de imóveis na planta, que gera empregos e aquece a economia.
Se as carências do país em habitação e infra-estrutura não fossem tão gritantes, talvez valesse a idéia de alterar a destinação dos recursos do FGTS. Na situação calamitosa em que vivemos, com enorme falta de moradia, abastecimento precário de água e situação dos esgotos causando mortes e transtornos à saúde da população, fica claro que não se deve, ou melhor, não se pode desviar recurso do FGTS.
Francis Bogossian é presidente da Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro