Entre a falta e o excesso
Francis Bogossian,
As mudanças climáticas nesta fase aguda do aquecimento global não passam mais despercebidas. O período de seca que o Brasil atravessa é prova disso e se contrapõe com as chuvas torrenciais ocorridas na Região Serrana do Rio de Janeiro. Não sabemos o que esperar neste verão. Todos torcem para que volte a chover o suficiente, se encham os reservatórios e as hidrelétricas acionem suas turbinas com força total, reduzindo a necessidade da energia poluente das termelétricas. Isso sem falar nos problemas de abastecimento e custos provocados pela estiagem.
Mas, se por um lado precisamos de muita chuva, por outro, ficamos preocupados com os inúmeros alagamentos e deslizamentos que fatalmente acontecerão. O Estado do Rio caracteriza-se por uma topografia eminentemente montanhosa, pela presença da Serra do Mar e da Serra da Mantiqueira, onde mais de 80% dos municípios têm áreas de risco geológico. As construções irregulares em encostas estão também em áreas de habitação de baixa renda.
É verdade que, depois daquela última tragédia na Região Serrana, o Departamento de Recursos Minerais (DRM) do estado realizou um trabalho extraordinário. Seus geólogos e geotécnicos fizeram levantamentos detalhados em todos os municípios para localizar e classificar as áreas de risco, o número de moradias e de ocupantes. Só para se ter uma ideia da abrangência do trabalho, em São José do Vale do Rio Preto, por exemplo, com uma população de pouco mais de 20 mil habitantes, o DRM identificou 69 áreas de risco iminente de escorregamentos, onde vivem 978 pessoas em 233 moradias.
Esta foi uma grande contribuição do governo do estado aos municípios fluminenses, mas não deve parar por aí. As prefeituras do interior não têm quadros técnicos nem recursos para as obras necessárias, à exceção da cidade do Rio, onde, depois de uma grande tragédia em fevereiro de 1966, com deslizamentos e perdas de vida, o prefeito Negão de Lima criou o Instituto de Geotécnica, hoje Fundação Geo-Rio, referência internacional pela qualidade dos serviços que mantém há décadas.
A estrutura criada no Rio precisa ser estendida a todos os municípios do país. Por isso, está na hora do governo federal dar prosseguimento as muitas ações que precisam ser implementadas, criando um órgão federal, tendo como modelo a Geo-Rio. Poderia ser uma ampliação do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs), para abranger ações de prevenção de alagamentos e deslizamentos provocados pelas chuvas, transformando-se no Departamento Nacional de Prevenção e Mitigação de Catástrofes (DNPMC), subordinado diretamente à Casa Civil, e eliminando a burocracia hoje existente que envolve vários ministérios.
Esse órgão nacional e suas agências estaduais, com um quadro técnico formado por geólogos, engenheiros geotécnicos e profissionais de setores correlatos, seriam capaz de suprir as deficiências das prefeituras, promovendo ações corretivas e preventivas necessárias. Estamos numa corrida contra o tempo.
Francis Bogossian, presidente do Clube de Engenharia e do Conselho Consultivo da AEERJ