E o Rio parou!
Francis Bogossian,
presidente da Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro (AEERJ)
Depois de quase quatro meses sem chuvas, a primeira pancada provocou grande deslizamento de terra em uma das bocas do túnel Rebouças, cortando uma das principais ligações viárias da cidade. O tráfego entre as zonas Norte e Sul ficou inviável e, com os reflexos por toda a cidade, o Rio parou.
Ainda não chegamos no verão. Pode-se alegar que o volume pluviométrico foi enorme, mas isto não é novidade. Chuvas torrenciais são características do clima tropical. Há 40 anos o Rio foi assolado por uma das piores tragédias de sua história, com o desmoronamento de várias construções em áreas de encostas, soterrando muitas pessoas.
Para evitar novas tragédias, a Prefeitura do Rio criou, naquela época, o IG (Instituto de Geotécnica, hoje Fundação Geo-Rio), com o objetivo de atuar na prevenção de deslizamentos de terra, identificando os locais de risco, projetando soluções e contratando obras de contenção. O órgão congrega uma equipe das mais competentes de engenheiros, geólogos e técnicos especializados em geotecnia. A Geo-Rio é considerada a segunda melhor instituição do gênero, no mundo, ficando atrás apenas da Geo Hong Kong.
Mas, competência sem recursos é o mesmo que cirurgião sem bisturi. Entre 1993 e 1997, o volume de licitações na Geo-Rio atingia uma média de R$ 44 milhões por ano. Nos quatro anos seguintes, 2000/2003, esta média caiu para R$ R$ 29 milhões. A partir daí tornaram-se inexpressivos: R$ 1,4 milhão em 2004; R$ 7,5 milhões em 2005; R$ 7,4 milhões em 2006 e R$ 9,6 milhões até setembro deste ano.
O desmatamento nos morros, para dar lugar a novas construções irregulares, cresce a olhos vistos. A responsabilidade é do poder público, que não oferece alternativa de habitação para as camadas mais pobres da população. E o governo ainda financia compras de materiais para as ampliações (puxadinhos) em área plana, obtidas através de cortes e aterros que desestabilizam as encostas.
Com a extinção do Banco Nacional da Habitação (BNH), em novembro de 1986, ou seja, há exatos 21 anos, instalou-se uma crise imobiliária no país que só agora começa a mudar, com nova legislação e expansão de linhas de crédito para o mercado imobiliário. Todo este esforço, no entanto, está voltado para a classe média. O FGTS e as linhas de crédito dos bancos, com recursos da poupança, são destinados a financiar as famílias com renda comprovada. Esta é a forma de garantir o patrimônio dos aplicadores e minimizar os riscos de inadimplência.
A população de baixa renda continua sem opção. O déficit habitacional brasileiro está concentrado exatamente nas famílias com renda até três salários mínimos, que não têm emprego com carteira assinada e não podem comprovar renda. A saída é morar em favelas. O aumento do número de pavimentos nas construções antigas comprova esta falta de opção. As encostas dos morros são duramente afetadas e a cidade do Rio de Janeiro não pode prescindir de constantes cuidados com suas encostas naturais e com os taludes artificiais decorrentes da favelização sem controle.
A Geo-Rio sabe fazer todo este trabalho, que começa com a inspeção visual das encostas, mas precisa ter recursos. O governo do Estado e o Ministério das Cidades também deveriam contar com órgãos ou departamentos especializados em geotécnia para apoiar os diversos municípios em todo o país, não apenas os fluminenses. Esta proposta foi encaminhada a ambos através da Carta de Angra assinada pelas entidades de classe da construção. Nenhuma ação foi implementada. O que se pode esperar é uma sucessão de novos desastres a cada verão carioca.