É melhor prevenir do que remediar
Francis Bogossian,
Presidente do Clube de Engenharia e da Associação das
Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro e vice-presidente
da Academia Nacional de Engenharia
Meu pai, imigrante armênio que viveu quase um século, com sua sabedoria e limitações linguísticas, costumava filosofar que “é preciso se arrepender antes”. O que ele queria ressaltar, na verdade, era a importância da prevenção diante das possibilidades de insucesso.
Os recorrentes desastres ambientais a cada tempestade de verão, com mortes e prejuízos materiais, são uma certeza em nosso país, em face de décadas de degradação de nossas encostas e rios. Recente pesquisa do IBGE mostra que 11,4 milhões de pessoas, ou 6% da população brasileira, moram em favelas. Com o fim do BNH, em 1986, e a recessão que tomou conta do país até o início do século XXI, os investimentos em habitação e saneamento básico praticamente inexistiram. No Estado do Rio de Janeiro, a situação foi agravada pela falta de diálogo entre os governos estadual e federal. Os parcos recursos da União deixaram o Rio desde que a capital do país foi transferida para Brasília.
A população de baixa renda, sem oferta de habitação popular, e diante do aumento do custo dos transportes urbanos e da falta de empregos, encontrou um meio de sobreviver ocupando terrenos públicos próximos aos locais em que há oferta de trabalho. As prefeituras municipais nada puderam fazer para impedir esse crescimento desordenado. As encostas dos morros e as margens dos rios foram, assim, ocupadas indiscriminadamente e sem qualquer controle. Como o Estado do Rio tem em 81% dos seus 92 municípios áreas de risco geológico, os problemas só tendem a se agravar, se não houver uma mudança de mentalidade do governo federal.
A partir de março de 2009, com a criação do programa federal Minha Casa, Minha Vida, o Brasil voltou a contar com financiamento habitacional e linhas de crédito especiais, voltados para as famílias de baixa renda. É muito pouco tempo para que se meçam resultados, mas é um começo.
Chegou a hora de o governo federal criar um Departamento Nacional de Prevenção e Mitigação de Catástrofes, com escritórios regionais que apoiem as prefeituras na identificação das áreas de riscos e na execução de ações de tratamento preventivo. Isso seria concretizado através de um amplo programa nacional de assistência aos municípios, com provisão de geólogos, engenheiros geotécnicos, florestais, hidrólogos etc. É indispensável ainda um trabalho de educação ambiental visando conscientizar as populações dessas localidades para o respeito aos cursos e mananciais de água, aos riscos de desmatamentos, de destruição ou alteração das obras de prevenção já executadas e para o perigo das construções irregulares.
É preciso reunir os recursos e as responsabilidades que hoje estão dispersos entre vários ministérios para que se intensifiquem as ações de prevenção de acidentes em encostas e alagamentos, através da obrigatoriedade da confecção de mapas geotécnicos, zoneamentos de risco e indicação das prioridades para as obras de prevenção. É o que chamo de tratamento passivo (preventivo), que evita mortes e perda de patrimônio – tudo por um custo inferior a 10% do que se vai gastar na mitigação das catástrofes, que, inevitavelmente, virão.
Assim, os órgãos municipais responsáveis pela autorização, concessão e fiscalização de projetos e obras poderiam tornar obrigatória a avaliação prévia, por especialistas, de tudo que se planeja construir, como acontece hoje com a licença ambiental. Com isso, os prefeitos poderão ser responsabilizados pelas ocupações irregulares registradas em sua administração. Hoje, com os mapas de satélite, esse monitoramento pode ser feito com facilidade.
“Roma não foi feita em um dia”, nem as medidas de estabilização de encostas e contra as enchentes. A falta de atitudes de prevenção não será corrigida num estalar de dedos, pois o assunto exige estudos de campo e de laboratório, projetos geotécnicos detalhados e licenças ambientais, que demandam um tempo considerável.
É, portanto, urgente a criação de um programa nacional de prevenção e mitigação de catástrofes que forneça apoio técnico e financeiro às prefeituras municipais. Tempestades tropicais são uma certeza em nosso país, bem como suas prováveis consequências. Não há como evitar. É melhor, e muito mais barato, prevenir do que remediar.
ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL DO COMMERCIO
Terça-feira, 28 de fevereiro de 2012 – Opinião – Pág. B-11