Despir um santo para vestir outro

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Jornal do BrasilQuarta-feira, 23 de agosto de 200623/08/2006

Despir um santo para vestir outro

Francis Bogossian,
presidente da Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro

COM O AUMENTO DAS DESPESAS de custeio no governo federal, o cobertor ficou
curto para investimentos em infra-estrutura. "Descobriu-se" que sobram recursos
do fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Não se investiga o porquê. O
mais simples é utilizar os recursos para outros fins.

O FGTS foi criado para financiar habitação e saneamento. Através do Banco
Nacional da Habitação (BNH) e das cooperativas habitacionais, as classes menos
favorecidas conseguiram habitações decentes. Inúmeros conjuntos habitacionais
foram construídos, garantindo moradia digna a muitas famílias. As prefeituras
também obtinham recursos para obras de saneamento. Mas o BNH acabou. As
cooperativas e as prefeituras ficaram sem interlocutor.

Os recursos do FGTS passaram a ser administrados pela Caixa Econômica
Federal, que é um banco comercial como todos os outros. Não tem foco em
habitação e saneamento. Com isto, os recursos do FGTS, ao invés de se destinarem
à construção de novas moradias, são usados para financiar a venda de material de
construção. As grandes lojas de material de construção identificaram que, com a
redução do imposto de Produtos Industrializados para os principais insumos da
construção, o volume de vendas cresceu mais de 20%, principalmente para a classe
C, garantindo a expansão das favelas e das construções irregulares.

Com mudanças na legislação e ampliação do crédito, o governo federal pode
comemorar o aumento da oferta de imóveis para a classe média. Há muito tempo não
se vê tantos novos lançamentos no mercado, principalmente do rio. Uma única
construtora prevê lançar, no segundo semestre deste ano , só na cidade do Rio de
Janeiro, nada menos de mil novas unidades para as classes AA e A. Isto se deve
ao esforço do setor privado que soube aproveitar todas as oportunidades.

Ocorre que o déficit habitacional brasileiro atinge, principalmente, as
famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos. São mais de 5 milhões
sem moradia. Este mercado não atrai as construtoras, não só pelos riscos
envolvidos mas também pela dificuldade de analisar e conceder crédito a
mutuários desta faixa de renda. Isto sem falar nas exigências de garantias da
Caixa Econômica para com as construtoras.

Para financiar o setor de transportes existe a Contribuição de Intervenção no
Domínio Econômico (CIDE) que já arrecadou mais de R$ 30 bilhões, desde que foi
criada em 2001. Deste total, 85% ficam com o governo federal e o restante é
distribuído pelos Estados e municípios. Mas os recursos federais não chegam a
seu destino, ficam no Tesouro garantindo o superávit primário.

Ao invés de lutar para melhorar a aplicação dos recursos do FGTS em habitação
e saneamento, através de uma Agência de Habitação e Saneamento ou de um Banco de
Habitação e Saneamento, o governo propõe usar estes recursos para financiar
obras de infra-estrutura na área de transportes. Que o país precisa melhorar sua
malha rodoviária, ferroviária, hidroviária e seus portos, ninguém tem dúvida. O
que não vale é "despir um santo para vestir outro". Basta aplicar corretamente
os recursos disponíveis que os resultados começarão a aparecer.