Empresas adotam logística reversa, reciclagem e inovação para minimizar o impacto ambiental e aumentar a reutilização de concreto, latas de tinta, ferragens e sobras de cerâmica no setor
Se pequenas obras residenciais já geram uma quantidade considerável de resíduos, imagine o volume produzido na construção de grandes empreendimentos, com dezenas de blocos e centenas de apartamentos. Entre restos de concreto, latas de tinta, ferragens e sobras de cerâmica, foram cerca de 45 milhões de toneladas de resíduos de construção civil e demolição em 2022, como mostram os dados mais recentes da Associação Brasileira de Resíduos Sólidos (Abrema).
Os números representam uma redução de 1,8% em relação ao ano anterior, mas preocupam cidades pelos impactos que causam ao meio ambiente e exigem das incorporadoras e construtoras a adoção de processos mais eficientes e novas tecnologias para construções mais sustentáveis.
Segundo a Abrema, a série histórica da geração de resíduos de construção civil e demolição (conhecidos pela sigla RCD) tem apresentado alta em relação aos índices de produção e consumo de cimento no país, o que também está associado ao crescimento do mercado imobiliário.
Na gestão dos resíduos, tudo passa pela separação, identificação e destinação de cada tipo de material. Nos empreendimentos das cinco marcas da MRV&Co — MRV, Luggo, Sensia, Resia e Urba —, os resíduos têm dois caminhos. O que pode ser reaproveitado volta aos fornecedores por meio de logística reversa. É o caso de materiais plásticos, de aço, madeira ou até mesmo das latas de tinta, seja para reciclagem ou reúso na indústria.
Já o que sobra de alvenaria é reaproveitado. O gestor executivo de Relações Institucionais e Sustentabilidade da companhia, José Luiz Esteves, lembra que, há alguns anos, a empresa construiu um empreendimento de 7 mil apartamentos na capital paulista, em um terreno que pertencia ao antigo Banco do Estado de São Paulo (Banespa). O material da demolição foi triturado para pavimentação.
— Substituímos o uso de madeira na construção das paredes por estruturas monolíticas e formas de alumínio que podem ser usadas até 700 vezes. E adotamos kits de moldes para as sobras de concreto, que se transformam em paralelepípedos de calçada, acabamentos de muro, soleiras e muretas de jardim — cita.
Matérias-primas mais baratas
A gerente de Meio Ambiente da Cury, Regina Borges, destaca que a empresa tem investido no treinamento dos funcionários para a separação adequada de todos os resíduos. Ela diz que o foco é o uso de tecnologias para que os materiais sejam usados em lajes e muros pré-moldados.
— Implementamos um check-list eletrônico com a equipe dos canteiros para mensurar o impacto ambiental na obra, o que inclui a geração de resíduos. O planejamento traz mais eficiência e aumenta a velocidade de execução da obra.
Para o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz França, o setor tem avançado em métodos de construção mais inovadores e eficientes, “minimizando o desperdício e os impactos negativos à comunidade no entorno”.
— Uma parcela do resíduo da construção gera matérias-primas mais baratas, que são utilizadas na produção de combustíveis para outras indústrias, como a cimenteira — afirma.
Em 2022, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos determinou um aumento de 25% na reciclagem de resíduos do setor. O instrumento complementou a Política Nacional de Resíduos Sólidos, criada em 2010 pelo governo federal.
Busca por planejamento
Mas, para Romildo Toledo, professor de Engenharia Civil da Coppe/UFRJ, é possível ir além. Ele diz que, apesar dos dados mapeados, o volume de resíduos gerados pela construção civil é subestimado. E argumenta que, com investimentos em tecnologia, é possível reaproveitar praticamente a totalidade dos resíduos gerados nos canteiros de obras.
Para isso, porém, é preciso planejamento. Em uma demolição ou retrofit — a recuperação de imóveis, por vezes com mudança de uso — se o trabalho for feito com cuidado e por etapas, é possível aumentar o reúso de materiais.
— A concepção do projeto precisa incluir modelagens computacionais, gestão de estoque e capacitação dos trabalhadores para uma gestão eficiente dos resíduos em todas as etapas. Em alguns países do mundo, como a Holanda, já há a reciclagem de até 95% dos resíduos de construção e demolição — afirma o pesquisador, que coordena o Laboratório de Estruturas e Materiais (Labest) e o Núcleo de Ensino e Pesquisa em Materiais e Tecnologias de Baixo Impacto Ambiental na Construção Sustentável (Numats), ambos da UFRJ.
Uma das possibilidades, diz, é a criação de bancos de materiais para reúso, conectando empreendimentos que têm materiais descartados e os que têm interesse em obtê-los, inclusive com menor custo. Outro caminho é o chamado design for disassembly (projetar para desmontar, em tradução livre), conceito de arquitetura e engenharia que pensa em projetos que podem ser desmontados para atender a outros objetivos além do inicial:
— A lógica da economia circular deve ser um preceito fundamental. Um ótimo exemplo foi o projeto das Olimpíadas do Rio 2016, em que a estrutura da Arena do Futuro serviu para construir quatro escolas municipais.
Fonte: O Globo