As habilidades necessárias para estar à frente das mudanças tecnológicas vão além do puramente técnico
Em maio, o JPMorgan Chase anunciou que todos os seus novos contratados receberiam treinamento para usar inteligência artificial (IA) – com a promessa de que a iniciativa ajudaria o pessoal a eliminar trabalhos repetitivos “sem graça” e aumentar a produtividade e a receita. “Neste ano, todos os que estiverem chegando aqui terão treinamento em engenharia de ‘prompts’ para prepará-los para a IA do futuro”, disse Mary Erdoes, executiva-chefe do departamento de gestão de ativos e patrimônio do banco americano.
Ela se referia ao processo de escrever o texto mais eficaz para os ‘prompts’, os comandos necessários para que uma ferramenta de IA gere a resposta mais desejada. Erdoes não é a única líder empresarial a ter percebido essa necessidade. A engenharia de prompts vem emergindo como uma das habilidades mais procuradas em locais de trabalho onde a IA começou a assumir
e automatizar tarefas ou a funcionar como uma forma de auxílio para os trabalhadores – por exemplo, através de chatbots como o ChatGPT, da OpenAI.
Na esfera dos governos, em termos mundiais, as melhorias de produtividade permitidas pela IA generativa poderiam valer US$ 1,75 trilhão ao ano até 2033, segundo Marc Warner, cofundador e executivo-chefe da Faculty, firma londrina que fornece softwares, consultoria e serviços de IA.
Para materializar esses benefícios, contudo, será necessário direcionar com cuidado os investimentos em requalificação para um mundo com IA. “Não é a IA que substituirá os humanos, são os humanos capazes de trabalhar com ela [que] substituirão [aqueles] que não são”, diz Khariton Matveev, um empreendedor de tecnologia. Seu conselho: “Veja a IA como um colega de trabalho, não a evite, mas procure mais casos de implementação em seu campo.”
Segundo um estudo, quase 20% dos trabalhadores dos EUA poderiam ter pelo menos 50% de suas tarefas afetadas pela adoção de modelos de linguagem de grande escala (LLMs, na sigla em inglês), como o GPT-4, da OpenAI. Matveev acredita que essa adoção da IA consistirá mais em “substituir parcialmente alguns elementos do trabalho do que substituir totalmente as profissões”.
Ele sinaliza que trabalhos de processamento de informações – como tradutor, pesquisador ou designer – estão em maior risco do que profissões que exigem força física.
Como preparação para a nova tecnologia, ele recomenda aos trabalhadores fazerem cursos de engenharia de prompts e experimentar ferramentas de IA, integrando-as às suas vidas diárias.
De acordo com Christian Rebernik, cofundador da Tomorrow University of Applied Sciences, há uma “necessidade [mais] urgente” de requalificar-se para a IA em certos setores do que em outros. Entre aqueles em que a necessidade é maior estão os de saúde, combate às mudanças climáticas e cibersegurança – uma vez que cibercriminosos têm usado a IA para realizar ataques sofisticados.
Também existem funções específicas de IA que se tornarão cada vez mais importantes à medida que a tecnologia começar a se incorporar com mais profundidade em nossas vidas cotidianas, como as de rotulador ou anotador de dados – o profissional que ajuda a treinar algoritmos de IA esclarecendo, por exemplo, o que uma imagem particular retrata.
“O surgimento da IA generativa traz uma série de oportunidades de requalificação – mapear o fluxo da IA, que vai desde a coleta e rotulagem de dados, até a criação e treinamento de modelos, e, por fim, a aplicação e o feedback”, diz Dev Nag, CEO da QueryPal, uma assistente de IA para empresas.
“Especialistas de domínio que podem ajudar no início e no fim desse fluxo – [assessorando sobre] quais dados coletar, como rotulá-los e como aplicá-los – continuarão a agregar um enorme valor.”
Quanto aos que correm mais risco de terem seus papéis substituídos, mas que se mantêm tecnicamente aptos, Matveev diz: “Você pode se proteger, caso seja um especialista de primeira linha que tenha condições de ajudar a ensinar IA em seu campo. [Você pode] ganhar treinando modelos num conjunto de dados criado por você.”
No entanto, diante de todas essas mudanças, as habilidades necessárias para se manter à frente vão além das puramente técnicas.
Para ser mais eficaz como engenheiro de prompts em um determinado setor, por exemplo, será necessário um conhecimento profundo desse setor. “Nossa experiência até agora sinaliza que há uma forte correlação entre o conhecimento no assunto e a capacidade de criar melhores prompts”, diz James Longster, sócio do departamento de tecnologia da banca de advocacia Travers Smith.
Ele cita a área jurídica como exemplo. Se diferentes pessoas receberem a tarefa de usar IA para extrair informações de um contrato, advogados experientes tendem a superar colegas não jurídicos na criação de prompts que extraem os melhores resultados.
Além disso, todos que trabalham com clientes precisarão saber como trabalhar com a IA de maneiras que não os façam perder a confiança de seus clientes.
Nag, da QueryPal, ressalta o caráter duradouro do papel dos consultores financeiros, que precisam “equilibrar o discernimento do risco versus o da recompensa para investidores individuais, para que os algoritmos [de IA] não ultrapassem o limite de risco desejado”.
Matveev concorda. “À medida que a IA assume mais componentes ‘duros’ – como dados, análise, execução -, o papel humano passará a ser entender melhor as necessidades, o que os clientes querem e o que devemos fazer”, diz.
Outros também mencionam a importância das habilidades interpessoais e da ética, à medida que a IA vai sendo adotada no trabalho. “Habilidades como inteligência emocional – reconhecer e regular as próprias emoções – e inteligência social – compreender e influenciar as emoções dos outros em situações sociais – garantirão que a integração da IA permaneça centrada no humano”, diz Rebernik. (Tradução Sabino Ahumada)
Fonte: Valor Econômica