Cidades menos saneadas carecem de investimentos, vontade política e capacidade técnica

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Allan Ravagnani

Municípios com menor investimento médio por habitante são os que tem maior dificuldade em avançar nos níveis de saneamento básico, aponta o ranking

A falta de acesso à água potável impacta quase 32 milhões de brasileiros, e cerca de 90 milhões ainda não possuem acesso à coleta de esgoto, fatores que resultam em problemas de saúde e mortalidade infantil. As regiões Norte, Nordeste e Sudeste concentram as cidades com o pior desempenho no Ranking de Saneamento 2024 do Instituto Trata Brasil, que analisou os indicadores do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) referentes a 2022, das 100 maiores cidades do país.

Os dados mostram que o Brasil ainda está muito longe da meta de universalização, estabelecida para 2033. Em comparação com o ano anterior, a coleta de esgoto subiu de 55,8% para 56%, enquanto o tratamento foi de 51,2% para 52,2%. Isso equivale a mais de 5.200 piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento despejadas diariamente na natureza.

Ao analisar os dados, é possível observar uma clara correlação entre o volume de investimentos e os avanços nos indicadores de saneamento das cidades. De acordo com o Plano Nacional de Saneamento (Plansab), o nível mínimo de investimento deveria ser de R$ 231 por habitante. No entanto, entre as 20 piores cidades da lista, a média foi de R$ 73 por habitante; entre as 10 piores, esse valor cai para R$ 48, representando apenas 21% do mínimo necessário para a universalização em 2033.

Gesner Oliveira, da GO Associados, afirmou que a desigualdade regional pode ser explicada pela combinação de fatores históricos e estruturais. “O país sempre teve uma distribuição desigual de investimentos em infraestrutura, concentrados no Sudeste e no Sul, que ficaram economicamente mais desenvolvidas. Desde o período colonial, e depois, com a industrialização, o que favoreceu a construção de redes de abastecimento de água e esgoto”, disse.

Gesner citou ainda que se o país quiser atingir a universalização até 2033, vai precisar que o investimento anual mais do que dobre, saindo dos R$ 22 bilhões para R$ 47 bilhões.

“No caso desses municípios, por terem indicadores muito atrasados, investir pouco torna muito difícil atingir as metas. Mais investimentos trazem melhorias nos indicadores”, afirmou Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil. “O tratamento dos esgotos é o principal desafio a ser superado. Temos menos de 10 anos para universalizar, mas ainda assim, cinco capitais do Norte e três do Nordeste não tratam sequer 35% do esgoto gerado. Neste ano de eleições municipais, é necessário colocar o saneamento no centro das discussões”, completou Pretto.

Percy Soares Neto, sócio da Ikigai Consultoria e especialista em saneamento, afirmou ao Valor que, além do investimento, é preciso vontade política para enfrentar o problema. “É necessário ter um bom operador, acompanhado de um bom regulador para monitorar o investimento”. Outro ponto importante é a qualidade da modelagem dos leilões. “O Piauí lançou um processo com várias dúvidas sobre o modelo, e nenhum operador se interessou em prestar o serviço lá. A decisão política precisa estar associada a uma boa área técnica”, disse.

No Estado do Rio de Janeiro, com quatro cidades entre as 20 piores (Belford Roxo 96ª, Duque de Caxias 95ª, São Gonçalo 94ª e São João de Meriti 89ª), a estatal Cedae é responsável pela produção de água. No entanto, as redes de distribuição, coleta e tratamento de esgoto foram privatizadas em 2021 e passaram para três concessionárias privadas: Águas do Rio, Iguá e Rio+Saneamento.

Ao Valor, a Cedae afirmou que vai investir mais de R$ 5 bilhões nos próximos quatro anos para aumentar e modernizar sua capacidade. “O avanço nos serviços de água e esgoto depende da rede privatizada desde 2021. Nos municípios onde a Cedae mantém os serviços, trabalha para universalizar até 2033”, declarou a empresa.

Já no Pará, onde três cidades estão entre as piores (Santarém 98ª, Belém 93ª e Ananindeua 90ª), a Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) afirmou ao Valor que conseguiu, junto ao BNDES, um empréstimo de R$ 314 milhões para as obras na Estação de Tratamento do Bolonha, principal sistema da Região Metropolitana de Belém, que beneficiará cerca de 1,5 milhão de pessoas. “A Cosanpa contratou um crédito de US$ 125 milhões junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para viabilizar um projeto que beneficiará dois milhões de pessoas em Belém, Ananindeua e Marituba”, afirmou.

Procuradas, as empresas Caerd (Porto Velho-RO), Equatorial CSA (Macapá-AP), Saerb (Rio Branco-AC), Cagece (Juazeiro do Norte-CE) e Aegea (da concessionária Águas do Rio) não retornaram aos pedidos de entrevista.

Fonte: Valor Econômico