Chuvas são inevitáveis; mortes, não

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O ano mal começou, e as primeiras chuvas intensas já foram suficientes para demonstrar o despreparo das cidades brasileiras para enfrentar intempéries que tendem a tornar-se cada vez mais intensas e letais em decorrência das mudanças climáticas. As respostas a esses eventos previsíveis — e inevitáveis — têm sido insuficientes, como mostra a contagem de mortes depois de cada temporal.

Embora houvesse previsão de chuvas fortes no fim de semana, a cidade do Rio e os municípios da Baixada Fluminense se revelaram despreparados. Até ontem, as autoridades fluminenses contavam 12 mortos e dois desaparecidos. Vias essenciais, como a Avenida Brasil, tiveram de ser interditadas. Parte de um hospital na Zona Norte ficou alagada. Carros da polícia e do Corpo de Bombeiros não puderam deixar os quartéis devido à inundação.

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O Rio reproduziu o drama de cidades paulistas na sexta-feira e no sábado, quando pelo menos duas pessoas morreram. Em São Bernardo do Campo, um morador foi soterrado pelo deslizamento de uma encosta. No município de Juquitiba, um menino morreu num carro arrastado para dentro de um córrego. Dias antes, um homem fora eletrocutado na capital durante um temporal que provocou alagamentos, quedas de árvores e corte de energia.

O ano de 2023 já havia sido trágico. O Rio Grande do Sul registrou recordes de chuvas, com mortes e prejuízos. No Litoral Norte de São Paulo, mais de 60 perderam a vida em deslizamentos de encostas provocados por temporais.

O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) estimou que 8,3 milhões de brasileiros viviam em áreas sujeitas a inundações ou deslizamento (2,5 milhões em áreas de alto risco). Ao longo de décadas, governos não agiram para mudar tal quadro. Nas grandes cidades, é conhecida a leniência com a ocupação irregular de encostas, um risco iminente. É verdade que algumas implantaram sistemas de emergência, como sirenes para retirar as famílias de áreas de risco. Mas eles são ainda insuficientes e, mesmo quando instalados, nem sempre funcionam.

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Faltam ações para desobstruir rios, além de campanhas para conscientizar os moradores a não jogar lixo nos córregos, depois sujeitos a inundação. Há ainda carência nos serviços de limpeza e coleta de dejetos, essenciais para facilitar o escoamento. Sem consciência da população e empenho das autoridades, não há como melhorar.

As prefeituras precisam de planos de contingência eficazes para as situações de emergência. Na chuva que atingiu o Rio, houve casos de moradores resgatados em colchões e até em latas de lixo. Houve mortes por afogamento. Se há previsão de chuvas intensas, é fundamental que os municípios tenham protocolos para retirar com agilidade as populações que vivem nas áreas de maior risco, como encostas e imediações de rios. Agir depois não adianta.

Não há dúvida de que as chuvas têm sido excepcionais. Causariam estrago em qualquer parte. Com as mudanças climáticas, a tendência é haver piora na frequência e na intensidade. O remédio, ante tamanha fúria, é investir em prevenção, protocolos de redução de danos, treinamento — não só da Defesa Civil, mas também da população — e políticas habitacionais consistentes, capazes de retirar famílias de áreas de risco e levá-las a locais seguros. É preciso agir logo. Nada garante que as próximas chuvas serão diferentes.

Fonte: O Globo