CGU aponta que ONGs líderes em emendas não têm capacidade de executar projetos e vê 40% das obras paradas mesmo com verbas

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Auditoria, enviada ao STF após determinação do ministro Flávio Dino, também apontou indícios de mau uso de dinheiro público e falta de transparência na destinação dos recursos

A Controladoria-Geral da União (CGU) identificou que sete Organizações Não-Governamentais (ONGs) beneficiadas com R$ 482,3 milhões em emendas parlamentares entre 2020 e 2024 não têm capacidade técnica para executar os projetos para os quais receberam os recursos. A auditoria, enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) após determinação do ministro Flávio Dino, também apontou indícios de mau uso de dinheiro público e falta de transparência na destinação das verbas.

As dez ONGS que mais receberam recursos de congressistas foram avaliadas pela CGU neste relatório. Além das sete em que não existe estrutura para desempenhar as tarefas indicadas pelos congressistas, há dois casos com indícios de sobrepreço, quando o custo orçado fica acima dos valores de referência. A análise mostra ainda um episódio de possível superfaturamento, que ocorre quando, por exemplo, a medição de uma obra é intencionalmente modificada para que uma empresa receba mais pelo serviço.

Os repasses monitorados pela CGU incluem emendas individuais, de bancada, comissão e de relator, o extinto Orçamento Secreto. Essa avaliação é uma consequência das ações no STF que discutem as emendas parlamentares, que estão com os repasses bloqueados por ordem de Dino até que novos mecanismos de transparência sejam criados. Um projeto nesse sentido já foi aprovado pela Câmara e deverá ser analisado pelo Senado na quarta-feira.

O órgão priorizou a fiscalização das entidades que mais receberam recursos federais nos últimos anos, caso da Con-tato, sediada no Rio e abastecida com R$ 195,7 milhões no período analisado.

Segundo a CGU, a estrutura administrativa da entidade é insatisfatória, com decisões concentradas em apenas um integrante da diretoria e sem validação por um comitê.

“Os mecanismos de governança da entidade são inadequados, frágeis e desatualizados, impactando a transparência nas operações e nas tomadas de decisões, além de inexistir instâncias que deliberem sobre a execução de projetos”, aponta a auditoria.

De acordo com a avaliação, esse formato atrapalha a formulação e execução de projetos. A auditoria aponta ainda falhas na transparência, como falta de detalhamento nas contratações e planos de trabalho imprecisos, que impedem o monitoramento das ações. “A imprecisão nas especificações das contratações impossibilita afirmar se os objetos contratados foram executados de forma satisfatória”, acrescenta o relatório.

Procurada, a Con-tato disse que todos os seus processos estão públicos nas plataformas do governo e negou irregularidades.

A segunda entidade que mais recebeu emendas foi o instituto Realizando o Futuro, também do Rio, com R$ 106,7 milhões entre 2020 e 2024. Segundo a CGU, a ONG “não possui capacidade técnica e operacional para a adequada execução dos projetos”. Para chegar a essa conclusão, a auditoria aponta que a estrutura física da entidade é insuficiente, os planos de trabalho não têm metas claras e a experiência prévia para desempenhar as tarefas não ficou comprovada. Além disso, foi identificada uma despesa de R$ 2,5 milhões “não revertida” a um projeto bancado com uma emenda de R$ 8,3 milhões do deputado Gurgel (PL/RJ).

Segundo a CGU, o valor se destinava à qualificação profissional de 3,6 mil beneficiários em 40 polos espalhados pelo Rio. O instituto, porém, previu a compra de 6,6 mil kits para contemplar os alunos, quase o dobro do necessário. A auditoria acrescenta que houve outras compras em “patamar significativamente superior ao previsto, injustificadamente. O parlamentar não se manifestou. A ONG disse que tem “corpo técnico qualificado e infraestrutura adequada para a execução dos projetos”. Sobre as despesas que não foram direcionadas ao projeto, a entidade afirmou que pretende fechar um acordo para devolvê-los.

A ausência de capacidade para executar as ações bancadas com verba pública também foi apontada em relação ao Instituto Léo Moura Sports, que de 2020 a 2024 recebeu R$ 69,2 milhões em emendas. Segundo a CGU, a entidade “não possui infraestrutura técnica e operacional para execução dos projetos”. Os técnicos afirmam que a entidade não tinha experiência anterior e que, após a sua fundação até 2020, quando começou a receber emendas, ficou quatro anos sem movimentação financeira e sem executar qualquer projeto.

Além disso, “não há divulgação de dados detalhados relativos ao recebimento e à execução dos recursos”. Uma das irregularidades encontradas foi um indício de superfaturamento de R$ 2,6 milhões e um possível sobrepreço de R$ 373 mil em quatro convênios. De acordo com a auditoria, o instituto não apresentou documentos que comprovem a entrega de equipamentos que foram comprados e empresas que participaram de editais, ao serem procuradas pela CGU, não confirmaram as cotações apresentadas.

O dinheiro para bancar esses convênios saiu do orçamento secreto, de emenda de bancada do Rio de Janeiro e de duas emendas individuais do deputado federal Luiz Lima (PL-RJ), que somam R$ 5,1 milhões. Procurado, Lima disse que deixou de fazer as indicações após tomar conhecimento da apuração:

— Não fiz mais repasses depois da recomendação da CGU.

Já o instituto negou irregularidades, disse que apresentou “informações e documentações” à CGU e que está “em dia com suas obrigações”. A entidade também nega falta de transparência e irregularidades em gastos com emendas do deputado Luiz Lima. “Está claramente comprovado que o Instituto Leo Moura está em dia com suas obrigações em relação aos termos de fomento citados”.

O relatório identificou outro possível sobrepreço, de R$ 394 mil, em uma contratação feita pelo Instituto Fair Play, abastecido com R$ 16 milhões em emendas entre 2020 e 2024. De acordo com a CGU, houve falhas na cotação de preços, com empresas que participaram de editais apresentando valores muito próximos e objetos comprados por valores superiores aos de mercado. Neste caso, as irregularidades foram encontradas em recursos encaminhados por Gurgel e a ex-deputada Clarissa Garotinho. Procurados, o instituto e a ex-parlamentar não se manifestaram.

Obras paradas

Um outro relatório enviado ao STF analisou o envio de emendas de Comissão e de relator (o extinto Orçamento Secreto) entre 2020 e 2023 para 30 municípios. Foram selecionadas seis cidades de cada região, de acordo com o maior valor recebido de emendas.

A auditoria analisou 256 obras financiadas pelos parlamentares e constatou que 38,6% (99) delas nem sequer começaram.

“A quantidade de obras não iniciadas na amostra chama a atenção, em que pese os prazos de execução dos instrumentos firmados estarem compatíveis com a média histórica do Transferegov.br. As obras não iniciadas podem estar relacionadas à falta de priorização desses projetos pelos municípios”, destacou a CGU.

Vários exemplos estão em Tauá (CE), cidade de 60 mil habitantes a 343 quilômetros de Fortaleza. A CGU identificou 22 obras que nem sequer começaram incluindo a construção de 18 escolas, pavimentação do asfalto, açudes e barragens subterrâneas. Isso acontece mesmo após o município ter recebido R$ 193,5 milhões em emendas entre 2020 e 2024. Procurada, a prefeitura ainda não se manifestou.

Emendas Pix

Em um terceiro relatório encaminhado ao STF, a CGU analisou exclusivamente o envio às ONGs das transferências especiais, também conhecidas como ‘emendas PIX’. Como amostragem, o órgão de controle auditou as duas ONGs que mais receberam esse tipo de emenda, além de outras entidades do terceiro setor de cada região do Brasil, considerando aquelas que receberam o maior volume de recursos. Essas entidades, juntas, receberam R$ 27 milhões em valores empenhados, dos quais R$ 18 milhões já foram pagos.

“No âmbito do presente trabalho de auditoria foram verificadas inconformidades relacionadas à seleção e celebração de parcerias com ONGs e demais entidades do terceiro setor, assim como impropriedades e irregularidades na execução dos objetos pactuados”, diz a CGU.

Dentre as irregularidades, o órgão apontou ausência de chamamento público ou de concurso de projetos na utilização das emendas, ausência de capacidade operacional e técnica para execução do objeto e plano de trabalho “não adequadamente planejado e estruturado para execução eficiente e eficaz do objeto pactuado”. A CGU também destacou a ausência de mecanismos para monitorar a execução das emendas, a restrição à competitividade em processos licitatórios, a falta de transparência na utilização dos recursos e possível sobrepreço. Segundo a CGU, por exemplo, o Instituto de Gestão em Desenvolvimento Social e Urbano recebeu emendas Pix para realizar festas em duas cidades do interior do Amapá, mas a contratação de shows, serviços contábeis e jurídicos ocorreu com indícios de sobrepreço. Procurado, o instituto não se manifestou.

Fonte: O Globo