Caixa muito econômica
Francis Bogossian, engenheiro
Qualquer pesquisa de opinião sobre as causas do déficit habitacional e das carências em saneamento terá como resposta campeã, com certeza, a falta de recursos. Não é verdade, pois os recursos existem. O dinheiro do FGTS vem, há muitos anos, sendo sub-utilizado. Para ser ter uma idéia, de R$ 1,1 bilhão, destinados ao saneamento no ano de 2002, só se empregaram aproximadamente R$ 300 milhões. A população deixou de ter cerca de R$ 800 milhões em obras que reduziriam as valas negras e a poluição. Perdeu-se na saúde, no meio ambiente e ninguém ganhou pela permanência dos recursos na Caixa.
Quando o tema é habitação, os verdadeiros vilões são, sem sombra de dúvida, filhos do Poder Público. A política habitacional vem sendo conduzida com monumental incompetência e as áreas de risco são a morada da cruel permissividade dos governos. De 1995 a 2000 o déficit habitacional brasileiro cresceu 3,9% ao ano nas áreas urbanas. Dos recursos do programa governamental PAR e do FGTS, disponibilizados para construção de habitações, cerca de R$ 3 bilhões, em 2001, deixaram de ser utilizados. Dos R$ 6,6 bilhões destinados em 2002, grande parte ficou sem ser investida. As empresas de engenharia acabam impossibilitadas de se capacitar às verbas, em função das regras e de uma burocracia superlativa impostas pela Caixa, cujas exigências são incompatíveis com a realidade brasileira.
A Câmara Brasileira da Indústria da Construção – CBIC organizou um evento sobre habitação para identificar os “nós” a serem desatados, suas causas e efeitos, como também gerar propostas de soluções para os pontos de estrangulamento. A grande maioria das conclusões sobre o emperramento dos processos e quanto às dificuldades dos empresários culminava na burocracia e nas exigências da Caixa. Ela mesmo, a centenária Caixa Econômica Federal, vem sendo considerada a grande barreira para se levar adiante os programas habitacionais.
Recentes declarações do novo presidente do BNDES descartam possibilidades de financiar programas de saneamento, indicando a Caixa como única fonte de recursos.
O Ministério das Cidades está acenando com propostas de solução que visam a desobstruir o fluxo de recursos do FGTS, inclusive com a criação de um fundo de aval para os empréstimos destinados à área de saneamento. Espera-se que também o setor da habitação venha a ser contemplado com estudos semelhantes. A população espera que o dinheiro do FGTS, que afinal é do povo, seja protegido de riscos, mas não adianta deixá-lo na CAIXA enquanto se avolumam as doenças pela falta de saneamento, as tragédias nas enchentes e os acidentes nas encostas, desordenada e ilegalmente habitadas, por falta de opção dos mais carentes.
A Caixa precisa deixar de ser tão econômica e agilizar mecanismos para liberação urgente dos recursos disponíveis para o saneamento e a habitação. Ou então criar-se um novo BNH nos moldes que o presidente Lula preconiza, com regras discutidas e aprovadas antecipadamente por todos os segmentos da sociedade envolvidos.
Francis Bogossian é presidente da AEERJ e primeiro vice-presidente do Clube de Engenharia