Artigo técnico: a história da geotecnia offshore no Brasil
Francis Bogossian
Desde a criação da Petrobras, em 1953, a produção brasileira de petróleo vem aumentando de forma extraordinária, tendo atingido, em 2011 a marca considerável de quase 2,4 milhões de boed (barril equivalente de óleo e gás) por dia. Com a descoberta das formidáveis reservas da região do pré-sal, a expectativa da empresa é de que a produção de petróleo duplique até o ano de 2020.
Com 85% do petróleo e gás concentrados nas reservas marítimas em lâminas d´água variando de pequenas profundidades a águas ultra profundas de até 3000 m, como no pré-sal, a implantação de estruturas offshore como plataformas de petróleo, estruturas submersas, oleodutos e gasodutos, cada vez mais complexas, tem demandado o desenvolvimento de tecnologias e conhecimentos capazes de fazer face a estes desafios.
Desde as primeiras descobertas nas bacias sedimentares em águas rasas, na década de 70, a geotecnia offshore no Brasil vem se desenvolvendo a fim de atender às necessidade de estudos geotécnicos cada vez mais sofisticados para a elaboração do projeto de engenharia destas estruturas, adequando conhecimentos e técnicas desenvolvidas em outros países produtores de petróleo e também, frequentemente, inovando para atender às condições específicas de mar e subsolo encontradas em nosso País.
INVESTIGAÇÕES GEOTÉCNICAS DE CAMPO
EM TERRENOS SOB LÂMINA D’ÁGUA – MÉTODOS E
TÉCNICAS UTILIZADOS
A seguir, são relacionados os métodos e equipamentos utilizados desde o início das investigações geotécnicas no Brasil em terrenos sob lâmina d’água. As descrições são acompanhadas de comentários sobre cada um dos métodos de investigação, incluindo suas vantagens e desvantagens, bem como as opções de apoio para os equipamentos de sondagens ou métodos executivos especiais para as diversas situações, desde os mais simples flutuantes até os modernos navios de sondagem.
EQUIPAMENTO APOIADO
SOBRE FLUTUANTES
O flutuante é utilizado quando se pretende executar sondagens a percussão, desde que as condições de mar, profundidade da lâmina d’água e correntezas o permitam. Geralmente é constituído de um conjunto de tambores ou tubulões estanques de aço, posicionados sob uma estrutura metálica. É fixado ao fundo do mar com auxílio de âncoras e tem sido usado para lâminas d’água de até 15 m para furos de sondagem com até 40 m de profundidade, em zonas abrigadas. (ver figuar 1).
Balsas geotécnicas mais estáveis e robustas que permitem a operação em águas semi-abrigadas também têm sido utilizadas em lâminas d’água até 30 m e elevando o limite de profundidade das sondagens até 70 metros (ver figuar 2). Dependendo das condições de mar, esta solução possibilita executar também sondagens rotativas com recuperação de testemunhos de rocha.
O método de apoios flutuantes foi empregado, por exemplo, nos estudos de fundações da Ponte Rio-Niteroi, para realizar parte das sondagens a percussão nas zonas mais abrigadas e rasas da baía de Guanabara, no Estado do Rio de Janeiro.
EQUIPAMENTO SOBRE
PLATAFORMAS FIXAS
Trata-se de plataformas fixas, metálicas, que se apoiam no fundo do mar, e são transportadas por embarcações e posicionadas com auxilio de cábreas ou guindastes.
Plataformas do tipo andaime desmontável, apoiadas diretamente em sapatas sobre o solo, foram utilizadas para os estudos de fundação da Ponte sobre o Lago Maracaibo, na Venezuela, onde o piso do fundo é plano. Sua utilização, com a mesma finalidade, nos estudos da Ponte Rio-Niterói foi um fracasso, face às condições de relevo do piso marinho.
EQUIPAMENTO APOIADO
EM MONOTUBO
O equipamento de sondagem é instalado sobre uma base que se faz apoiar sobre camisas de tubulões previamente cravadas no terreno. Foi utilizado para as fundações da Ponte Rio-Niterói, em locais sem sondagens previas. O sistema serviu para definir as cotas das bases dos próprios tubulões da estrutura que careciam de informações geotécnicas precisas, em face de mudança de locação de pilares ocorrida posteriormente à realização da campanha de investigações. Os equipamentos, neste caso, se apoiaram sobre uma espécie de bandeja, que enlaçava e se encaixava na extremidade superior da camisa, acima da linha d’água (ver figuar 3)
É necessária a utilização de apoio marítimo constituído de cábreas, rebocadores e lanças, analogamente aos casos das plataformas auto elevatórias e fixas.
EQUIPAMENTO EM BALANÇO SOBRE JACK-UP
COM AUXÍLIO DE TUBO-GUIA CRAVADO
NO FUNDO DO MAR
A jack-up é um tipo de plataforma auto-elevatória largamente utilizada nas perfurações exploratórias de hidrocarbonetos em águas rasas.
Esta foi mais uma iniciativa pioneira desenvolvida com a chancela da Petrobras, com o objetivo de agilizar e dinamizar a disponibilidade do petróleo, reduzindo o hiato entre as fases de exploração e de estudos de engenharia para a produção.
Com este método, os estudos geotécnicos iniciais de fundação das plataformas de produção puderam se processar a partir de uma plataforma metálica em balanço instalada nas jack-ups ainda na fase de exploração. As sondagens geotécnicas a percussão e rotativas foram executadas, então, com as colunas de revestimentos e hastes protegidas no interior de um tubo-guia, desde a plataforma até penetrar 2 a 3 metros no fundo do mar (ver figura 4).
O SINO DE SONDAGEM
Trata-se de um método de concepção genuinamente brasileira, desenvolvido e operado no Brasil, sem necessidade de importação de tecnologia, mercê da iniciativa da Petrobras em apoiar o desenvolvimento daquela técnica pioneira, no início da década de 70 (ver figura 5).
Este método consiste na utilização de uma câmara pneumática submersa, dotada de equipamentos de sondagem e de comunicação com a embarcação de apoio, necessários para execução de sondagens a percussão e rotativas em ambiente seco, pressurizado com mistura de gases (ver figura 6).
Chegaram a ser realizadas sondagens em terrenos sob lâmina d’água de até 36 m e, posteriormente, com maiores recursos tecnológicos de apoio a mergulho e injeção de uma mistura especial de gases, procedeu-se a sondagem com lamina d’água da ordem de 50 m no litoral do Ceará.
Foi utilizado ao longo do litoral brasileiro para estudos de fundação de estruturas offshore, estudos de dragagem e derrocagem, bem como de instalações portuárias em geral, tendo sido realizados milhares de furos de sondagem a percussão e rotativas e ainda alguns ensaios experimentais de penetração de cone (CPT).
EQUIPAMENTO SOBRE PLATAFORMAS AUTO-ELEVATÓRIAS
Trata-se de plataforma com deck flutuante, com três ou quatro pernas de dimensões variáveis que descem por ação de guinchos específicos para cada uma delas até o subsolo. Penetram no terreno até encontrar resistência e, a partir daí, a base flutuante é içada para ficar suspensa, ao abrigo da ação das ondas e correntes, apoiada no fundo do mar.
As auto-elevatórias permitem a execução de sondagens a percussão ou rotativas e também de ensaios in situ, do tipo palheta (vane shear test) ou penetração de cone – Cone Penetration Test – CPT.
Seu emprego está limitado a zonas abrigadas, ou mesmo não totalmente abrigadas, em condições especiais, bem como à espessura de lâmina d’água. Apesar de poder operar em várias condições de mar, a altura de ondas é uma limitação para a fase de posicionamento.
As utilizadas nos estudos de fundação da ponte Rio-Niterói foram projetadas para lâminas d’água de até 25 metros, mas naufragaram nos estudos para a ilha artificial da TERMISA em Areia Branca (RN), a 13 km da costa, com lâmina d’água inferior, da ordem de 13 metros, face à presença de ondas com 2 a 3 metros de altura.
Foram ainda utilizadas para os estudos de ampliação do Porto de Tubarão, no Estado do Espírito Santo, para estudos de dragagem e do novo píer. (ver figura 7).
O custo dessas plataformas já é elevado, em relação aos flutuantes, e sua operação, embora simples, requer considerável e oneroso apoio marítimo.
Plataformas de maior porte, com pernas de geometria variada, têm sido utilizadas com sucesso em investigações geotécnicas em lâminas d’água até 120 metros.
SONDAGENS A PARTIR DE NAVIOS-SONDA
E PLATAFORMAS DE EXPLORAÇÃO DE PETRÓLEO
Os navios-sonda e as plataformas de exploração de petróleo, como as semissubmersíveis, têm se mostrado importantes opções para obtenção de dados geotécnicos em lâminas d’água, inclusive ultra-profundas, até 3.000 m de profundidade.
As amostragens são executadas durante a execução das perfurações da própria sonda utilizada na exploração de petróleo, mediante o emprego de amostradores geotécnicos especiais inseridos no interior dos tubos, sob orientação da equipe geotécnica de bordo, a fim de se minimizar os problemas advindos da adaptação dos equipamentos e métodos.
O fato de as amostragens, classificação e testes expeditos serem executados logo após a realização dos poços faz com que se tenha acesso imediato aos dados geotécnicos para cada locação específica.
Este método, que tem sido utilizado em toda a costa brasileira, apresenta como desvantagem a necessidade de se disponibilizar uma plataforma ou um navio-sonda por um período de 3 a 5 dias para a execução de cada sondagem.
NAVIOS GEOTÉCNICOS
Os navios de sondagem geotécnica, ou simplesmente navios geotécnicos, representam, sem dúvida, a solução ideal para sondagens em zonas desabrigadas com grandes lâminas d’água (ver figura 8).
Utilizam-se navios geotécnicos ancorados (quatro âncoras) para lâminas d’água de até aproximadamente 200 metros. (ver figura 9).
No caso de águas profundas e ultra-profundas navios com sistema de posicionamento dinâmico se tornam imprescindíveis. Estes navios podem realizar sondagens com tecnologia que utiliza a própria coluna de perfuração para amostragem e CPT do tipo down-the-hole até 100 m abaixo do piso marinho (ver figura 10). Permitem também amostragem do tipo piston corer de comprimento até 21 m e ensaios CPT até 50 m com a utilização de A-frame em seabed mode, ou seja, com equipamento apoiado no piso marinho (ver figura 11).
O custo elevado dos navios geotécnicos é uma desvantagem deste método, já que eles não existem no Brasil, dependendo-se, assim, de contratação de embarcações estrangeiras, o que só se justifica para grandes campanhas. Estes navios dispõem ainda de laboratório de bordo para os ensaios geotécnicos correntes e alguns especiais, além de heliponto para a movimentação das equipes.
AS INVESTIGAÇÕES GEOTECNICAS
OFFSHORE PARA O PRÉ-SAL
A geotecnia offshore nas áreas do pré-sal na costa brasileira, em lâminas d’água de até 3000 m, tem como objetivo a definição do subsolo marinho para o projeto de fundação das plataformas flutuantes de produção de óleo e gás, para a definição das rotas de dutos submarinos e para o projeto de fundação das estruturas submersas tais como PLET- Pipeline End Termination e PLEM- Pipeline End Manifold.
As investigações geotécnicas mais recentes para estas áreas são executadas a partir de navios geotécnicos dotados de Sistema de Posicionamento Dinâmico do tipo DP 2, capacitados para realizá-las alternadamente nos seguintes modos de operação:
1 Utilização de seabed mode para sondagens com amostragens contínuas do tipo Jumbo Piston Corer com comprimento de 21m e diâmetro de 100 mm e execução de ensaios CPT com penetração máxima de 50m abaixo do leito marinho com medidas de resistência de ponta, resistência lateral e poropressão.
2 Utilização de coluna de perfuração para execução de sondagens com amostragem e CPT down-the-hole, alternados, até 100m abaixo do piso marinho.
Nos laboratórios de bordo são realizados ensaios expeditos de caracterização, com a determinação de índices físicos e indicação qualitativa do teor de CaCO3; ensaios expeditos de resistência com a determinação da resistência ao cisalhamento não drenada com torvane e penetrômetro de bolso, bem como triaxial UU e determinação indireta de propriedades físicas, além da avaliação de integridade das amostras através do MSCL (Multi Sensor Core Logger).
De posse destes resultados, juntamente com os dados dos boletins de sondagem e resultados dos ensaios CPT é elaborado um perfil preliminar que permite a antecipação dos estudos para o projeto de fundação.
As amostras não ensaiadas a bordo são selecionadas, embaladas e encaminhadas ao laboratório terrestre para a realização de ensaios especiais de resistência e compressibilidade. São utilizadas também para ensaios de confirmação dos ensaios de bordo, com o intuito de aferir a qualidade de cada amostra após o desembarque e transporte e caracterização completa. O laboratório terrestre precisa ser equipado para a realização dos mais modernos ensaios,os como o cisalhamento simples direto cíclico e os ensaios triaxiais CkoU, fundamentais para os projetos de ancoragem de plataformas flutuantes de produção.
Estas plataformas flutuantes, como as FPSOs (Floating, Production, Storage and Offloading), são posicionadas e mantidas em sua locação através de sistemas de ancoragem fixados no solo através de âncoras especiais, estacas de sucção ou estacas torpedo, sendo estas últimas tecnologia desenvolvida no Brasil e a mais utilizada para as plataformas brasileiras em águas profundas. Estes elementos de fundação são submetidos a solicitações estáticas e cíclicas, muitas vezes extremas, como durante a ocorrência de tempestades. A programação dos ensaios objetiva reproduzir, em laboratório, as condições a que os elementos de solo sob estas fundações são submetidos com a maior fidelidade possível. Para isto, além dos ensaios triaxiais do tipo CIU, são realizados ensaios CKoU de compressão e extensão e ensaios DSS , de cisalhamento simples direto, estáticos e cíclicos.
CONSIDERAÇÃO FINAL
Com este relato foram reunidas informações sobre a experiência adquirida pela equipe de engenheiros geotécnicos da nossa empresa, Geomecânica, sediada na cidade do Rio de Janeiro e operando em todo o Brasil, nos últimos 40 anos.
(Clique aqui para ver uma cópia da publicação, com textos e figuras.)
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR.
Bogossian, F.; Lopes, Paulo C. C., Lima, Sergio A. (1978). Considerações para análise e interpretação de estudos geotécnicos executados em águas profundas para fundação de estruturas “offshore”. In: Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia das Fundações, 6, Rio de Janeiro, pp.39-48.
Bogossian, F. e McEntee, J. M. (1978). Marine site investigations in exposed deep water locations offshore Brasil. In: Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia de Fundações, 6, Rio de Janeiro, ABMS, pp.49-60.
Bogossian, F. e Spatz, F. (1978). Sondagens geológicas em solos e rochas sob lamina d ‘água para projetos de engenharia. Rio de Janeiro, Offshore Brasil, pp.7.
Spatz, F.; Bogossian, F.; Dahlberg, N. F. Braathen, R. (1979). Foundations conditions for piles structures offshore Brazil. In: Offshore structures. London, Pentech Press, pp. 1351-1363.
Bogossian, F. e Matos, F. D. (1979). On the evaluation of soil parameters for the foundations design offshore structures. In: Offshore structures. London, Pentech Press, pp. 1297-1314.
Bogossian, F. e Machado, C. F. Dias (1981). Energy dissipation on the SPT rods. In: Proceedings of tenth International Conference on Soil Mechanics and Foundations Engineering. Stockolm, A. A. Balkema, pp. 449-450.
AUTOR
FRANCIS BOGOSSIAN é presidente do Clube de Engenharia e da associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro (AEERJ). Participa dos conselhos da Geomecânica S.A., Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJAN), Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) e Associação Brasileira de Mecânica dos Solos (ABMS).
É também vice-presidente executivo da Academia Nacional de Engenharia e membro das Academias Brasileira de Educação e Panamericana de Ingenieria.
Formado pela Escola Nacional de Engenharia da Universidde do Brasil, atua há mais de 40 anos como engenheiro civil, empresário, professor e líder de classe.
Fundou a Geomecânica S.A em 1972, atuou como professor titular de Mecânica dos Solos, Fundações e Obras de Terra durante mais de 15 anos, na Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ) e por mais de 30 anos na Universidade Veiga de Almeida (UVA).
Participou das diretorias e dos conselhos da ABENGE, SECONCI-RIO, CBIC, CREA-RJ, A3P, ABENC/RJ e da I.S.S.M.G.E.