Ameaças do clima obrigam concessionárias de saneamento a adaptar operações

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Juliana Causin e João Sorima Neto

Estima-se que, até 2030, 1.708 cidades brasileiras terão risco alto ou muito alto para desastres como inundações, enxurradas e alagamentos

Com a água como principal matéria-prima, concessionárias de saneamento estão adaptando suas operações para lidar com eventos climáticos extremos, como a seca registrada na Amazônia e no Pantanal, e as fortes chuvas no Rio Grande do Sul, que vêm tirando o setor de sua relativa estabilidade. Esse movimento vai desde a busca de fontes alternativas de abastecimento de água e estações móveis de tratamento à contratação de mergulhadores para reparo de equipamentos submersos em enchentes.

Até 2030, 1.708 cidades brasileiras terão risco alto ou muito alto para desastres como inundações, enxurradas e alagamentos, segundo projeção do Sistema de Informações e Análises sobre Impactos das Mudanças do Clima (AdaptaBrasil), do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. No caso da seca, a vulnerabilidade alcança 2.173, quase 40% dos municípios do país.

Enquanto as chuvas ameaçam os sistemas de abastecimento, a estiagem coloca em risco a captação de água, além de alterar padrões de consumo.

Com estações de tratamento e distribuição de água alagadas na tragédia de maio, além da falta de energia elétrica, os sistemas de bombeamento pararam de funcionar e deixaram milhares de pessoas sem abastecimento no Rio Grande do Sul. Responsável pela operação de saneamento em 317 cidades gaúchas, a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) teve 67 sistemas no estado paralisados total ou parcialmente, com estações que ficaram debaixo d’água.

O colapso, menos de um ano depois de a Aegea assumir a Corsan, evidenciou os novos riscos climáticos para o setor no momento em que ele se abre para a iniciativa privada.

— Mesmo que tivéssemos uma ou outra estação não atingida pela enchente, houve a questão da falta de energia. Tivemos que contratar 120 geradores para manter as estações funcionando, além de 140 caminhões pipas e mergulhadores que participaram dos reparos desses equipamentos — conta Édison Carlos, presidente do Instituto Aegea.

Força-tarefa

Péricles Weber, diretor operacional da Iguá Saneamento, conta que em Colíder, cidade do Mato Grosso com 34 mil habitantes, há quatro anos os reservatórios têm ficado abaixo do nível de captação na época de seca. Para não deixar a cidade sem água, uma força-tarefa envolveu a concessionária Águas Colíder (da Iguá), prefeitura, Ministério Público, entidades ambientais e agricultores para encontrar fontes alternativas de água. Uma solução foi captar em açudes das fazendas da região.

— Nos últimos dois anos conseguimos sensibilizar os agricultores de Colíder, e, com mangueiras de grande diâmetro e bombas, captamos água nos açudes e jogamos para o leito do rio. Não houve falta de água — conta Weber.

Plano de contingência

Com concessões na Região Serrana do Rio, a Águas do Brasil já acumula experiência em catástrofes climáticas, como os deslizamentos causados pelas chuvas em Petrópolis, em 2022, e elaborou um plano de contingência para o caso de novos eventos do tipo. Está previsto o reforço de equipamentos e equipes, além de novas estações de tratamento, para garantir o abastecimento e qualidade da água à população em circunstâncias emergenciais.

— Hoje conhecemos os riscos e temos capacidade de reabilitar os equipamentos muito rapidamente. Já incorporamos os riscos climáticos em nosso planejamento — diz Marilene Ramos, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Grupo Águas do Brasil, lembrando que a empresa também trabalha com informações meteorológicas da Climatempo para prevenção.

Previsão nos contratos

O Marco Legal do Saneamento, de 2020, prevê que todos os contratos de concessão apontem os tipos de risco envolvidos na prestação dos serviços e cabe à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) definir as normas para lidar com cada um deles. Mas, na prática, falta uma definição clara do que é um evento climático extraordinário.

Fonte: O Globo