A vegetação nativa protegida pela Lei da Mata Atlântica, a biodiversidade do entorno e espécies ameaçadas de extinção estariam correndo risco por conta do empreendimento imobiliário que está sendo erguido
Eixe-das-nuvens, jacaré-de-papo-amarelo e borboleta-da-praia são algumas das espécies que vivem na região da Lagoa de Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. De acordo com ambientalistas, esses animais, além da flora local estão ameaçados por conta de uma obra que está aterrando parte da margem da Lagoa para que um empreendimento imobiliário seja erguido. A situação mobilizou autoridades, que estão cobrando mais fiscalização e até o embargo da construção.
“Dados divulgados pelo Programa da ONU para o Meio Ambiente (Pnuma) mostram que os mangues absorvem até cinco vezes mais CO2 do que outros ecossistemas e florestas. Ou seja, o desaparecimento desse ecossistema é um fator que causa impacto ao meio ambiente de forma geral. Mudanças na extensão de manguezais podem impactar mais de mil espécies associadas a esse ecossistema. Dentre elas estão aves, peixes, plantas, mamíferos, répteis e anfíbios. Nas margens da Lagoa de Jacarepaguá estão muitos desses animais, plantas e árvores. Estamos recebendo muitas informações preocupantes em relação ao que está sendo nesta Lagoa. É preciso mais rigidez no cumprimento das leis e cuidado com o meio ambiente“, disse Sérgio Ricardo, co-fundador do Movimento Baía Viva.
Em setembro deste ano, o presidente da Comissão do Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), deputado Jorge Felippe (Avante), emitiu um ofício determinando com urgência o embargo da obra.
Também deputado estadual, Carlos Minc (PSB), que é presidente da comissão do cumprimento das leis da Alerj, solicitou a demarcação da faixa marginal da Lagoa em campo, além de um plano de alinhamento da orla e uma vistoria minuciosa das características do terreno.
No documento, o mandato do deputado destaca que Instituto Estadual do do Ambiente (Inea) frisa que “foi elaborada planta de demarcação da Faixa Marginal de Proteção da Lagoa de Jacarepaguá, estabelecendo seu limite mínimo de 30 metros, em conformidade com a legislação ambiental vigente por ocasião do licenciamento (Resolução CONAMA n° 303/2002) e promovendo a alteração dos marcos físicos que delimitam a referida faixa. ”
No mesmo ofício, é destacado que “embora o INEA tenha acatado a decisão, ocorre que de acordo com a denúncia, o relatório de vistoria realizado pelo INEA (SEI-070002/011167/2023) cita: ‘está ocorrendo atividade de rebaixamento do lençol d’água podendo significar tanto retirada de água do lençol freático quanto do mangue da Lagoa de Jacarepaguá Vale informar que a área é considerada Área de Preservação Permanente de Mangue da Lagoa de Jacarepaguá‘”.
Também é pontuado no texto que o relatório de vistoria da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMAC) conclui que “a obra avança claramente sobre a faixa marginal de proteção da Lagoa de Jacarepaguá, uma vez que o aterro está sendo executado sobre a lâmina d’água“.
Membro do Conselho Municipal de Meio Ambiente e Clima da Cidade do Rio de Janeiro (RJ), Tarcísio Feitosa da Silva enviou uma solicitação pedindo “de forma urgente o envio de uma equipe de fiscalização da Secretaria Municipal de Meio Ambiente da Cidade (SMAC) acompanhada por membros do Conselho Municipal de Meio Ambiente e do Ministério Público até o local da obra para averiguar as informações relatadas e recolher informações, fotos, filmagens e documentos sobre o caso“.
“É necessário ser bastante rigoroso na fiscalização ambiental, diante das mudanças climáticas e as consequências sobre o meio ambiente e a vida humana, apurar o dano ambiental, ou rever processos de licenciamento é extremamente necessário hoje. Com experiência de arquitetura sustentável é assustador uma empresa desse quilate operar uma destruição de um patrimônio natural“, disse Tarcísio.
Rodrigo Bertoli, advogado da ação popular que questiona o aterramento de parte da margem da Lagoa de Jacarepaguá, também se posicionou cobrando mais ações do Poder Público para maior fiscalização da obra: “Gostaria de fazer um apelo às autoridades públicas da Cidade do Rio de Janeiro para que procedam imediatamente o embargo administrativo da obra de responsabilidade da GAFISA S.A., em razão de diversos relatórios de vistorias que constataram que o terreno se encontra inserido numa Área de Preservação Permanente de Mangue da Lagoa de Jacarepaguá, protegidas pela Lei de Proteção à Vegetação Nativa (Lei Federal 12.651/2012) e do bioma Mata Atlântica (Lei Federal 11.428 de 2006). Gostaria de citar que o local é uma área alagada (úmida) sob influência das marés, com presença de solo moles, associados à manguezais e, portanto, estão protegidas pelo Decreto 1905/96 (Promulga a Convenção sobre Zonas Úmidas de Importância Internacional, especialmente como Habitat de Aves Aquáticas) sendo assim, o fato da construtora GAFISA possuir licenças ambientais não servem de salvo-conduto para o cometimento dos crimes e danos ambientais que estão em curso. Já vimos o que veio a acorrer no Sul do País com a flexibilização da legislação ambiental, sobretudo, as que protegem as Áreas de Preservação Permanente. Será que a construtora não tem o mínimo de responsabilidade para com o ambiente e os seus consumidores que compraram um sonho que no futuro será um pesadelo trágico? ”.
Procurada pela reportagem do DIÁRIO DO RIO, a Gafisa, responsável pela obra, informou que “seu empreendimento na Barra da Tijuca, bem como todos os demais em seus 70 anos de atuação no Brasil, atende a todos requisitos legais e tem todas as licenças necessárias, inclusive as ambientais. Por essa razão em 2022, a marca foi incluída no Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3, primeiro da América Latina e quarto do mundo, a título de reconhecimento por seu irrestrito comprometimento com os princípios gerais de sustentabilidade empresarial e com as práticas ESG (Ambiental, Social e de Governança Corporativa, na sigla em inglês). A empresa compreende e partilha de todas as preocupações destacadas e esclarece que adotou todas a medidas necessárias para atendimento das premissas ambientais, as quais foram implementadas de forma satisfatória e avalizadas pelos órgãos ambientais, resultando no desembargo da obra no dia 04 de setembro pela Justiça, em decisão proferida após realização de perícia no terreno e contou com dois pareceres favoráveis emitidos pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. ”
Fonte: Diário do Rio