Setor da construção civil brasileira enfrenta um desafio inusitado: enquanto cresce o número de obras, a escassez de mão de obra qualificada ameaça paralisar projetos e eleva os custos operacionais.
O setor de construção civil no Brasil vive um paradoxo inquietante: enquanto os números de vendas e contratações aumentam, a falta de mão de obra qualificada ameaça travar o crescimento.
A situação é mais complexa do que parece e envolve altos custos, deslocamentos entre regiões e até uma mudança no perfil dos trabalhadores.
Os números preocupam e revelam o tamanho do desafio, afetando desde pequenas obras residenciais até grandes empreendimentos de infraestrutura.
Conforme a Sondagem da Construção da FGV IBRE, a falta de mão de obra qualificada se tornou a principal queixa das empresas do setor, ultrapassando até mesmo a falta de demanda por obras.
Nos últimos três anos, o número de empresas que enfrentaram dificuldades para contratar trabalhadores qualificados saltou de 10,7% para impressionantes 71,2%.
No Ceará, um dos estados mais afetados, o déficit é tão grave que empresas de construção pesada estão sendo forçadas a importar mão de obra de outras cidades e até de outros estados.
De acordo com uma matéria publicada na quarta-feira (06) pelo jornal Diário do Nordeste, esse movimento gera custos adicionais com acomodação e transporte de trabalhadores que ficam até 30 dias longe de suas residências, como explicou Eduardo Aguiar Benevides, vice-presidente financeiro do Sinconpe-CE (Sindicato da Indústria da Construção Pesada do Ceará).
Formação e treinamento como solução emergencial
Para tentar contornar a falta de trabalhadores qualificados, o Sinconpe-CE tem investido em programas de capacitação, especialmente para operadores de máquinas, uma das funções mais demandadas.
Patriolino Dias, presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Ceará (Sinduscon-CE), pontuou que as próprias empresas têm oferecido capacitação para atrair mais profissionais, principalmente jovens, para o setor.
Dias alerta que a média de idade dos trabalhadores na construção subiu significativamente, passando de cerca de 25 a 28 anos para mais de 40 anos.
Esse envelhecimento da mão de obra preocupa, especialmente pela ausência de jovens ingressando na área, o que pode comprometer a renovação e o dinamismo do setor no futuro.
O peso do programa Minha Casa, Minha Vida
A alta demanda, estimulada por programas como o Minha Casa, Minha Vida e pelo cenário de emprego em alta, também agrava a crise de mão de obra, conforme explicou Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos de Construção do FGV Ibre.
Com a necessidade de manter a produtividade para evitar paralisações, as construtoras têm buscado adotar novas tecnologias e tornar o setor mais atrativo para grupos sub-representados, incluindo mulheres.
Castelo afirma que o setor precisa modernizar suas técnicas e aumentar o uso de processos industriais.
“A construção civil ainda é majoritariamente artesanal e sofre com a baixa industrialização”, explicou ela, destacando que essa transformação é urgente para reduzir a vulnerabilidade do setor diante de novas crises.
Custos em alta e o Índice Nacional do Custo de Construção
Para enfrentar a falta de trabalhadores, muitas empresas estão aumentando os salários e investindo em treinamentos e deslocamento de equipes.
Porém, esse movimento tem um preço. O Índice Nacional do Custo de Construção (INCC) de mão de obra acumula uma alta superior a 7%, superando a inflação no mesmo período.
Segundo Ana Maria Castelo, essa pressão inflacionária deve persistir, impactando o custo final das obras e o orçamento das empresas.
Apesar dos desafios, as empresas indicam que continuarão contratando mais do que demitindo, o que deve manter o mercado aquecido.
Contudo, o cenário exige adaptações para evitar que o custo crescente torne os projetos inviáveis.
Demanda de 360 mil profissionais para 2025 a 2027
Outro ponto importante é a demanda por mão de obra qualificada projetada para os próximos anos.
Segundo o Mapa do Trabalho Industrial do Observatório Nacional da Indústria, o setor industrial do Ceará precisará de cerca de 380 mil profissionais no período entre 2025 e 2027.
Desse total, 316 mil devem passar por treinamento e desenvolvimento para se manterem competitivos, enquanto apenas 64 mil representarão profissionais com formação inicial.
O setor de construção civil terá a segunda maior demanda, com uma necessidade de mais de 40 mil profissionais, especialmente aqueles com capacitação em treinamento e desenvolvimento.
Em outras áreas, como logística e transporte, e no setor de couro e calçados, a demanda também deve crescer consideravelmente.
Mudanças no perfil da mão de obra e desafios para o setor
Sônia Parente, gerente de Educação Profissional do Senai-CE, ressaltou a importância de mudar a visão sobre a construção civil.
“Trabalhar na construção civil não é apenas um trabalho manual; há oportunidades para quem investe em qualificação”, afirmou.
Ela destaca que o profissional pode começar como pedreiro, mas, ao investir em formação, pode evoluir para funções como revestidor cerâmico, ampliando suas possibilidades no setor.
A perspectiva de novas formas de edificação exige competências cada vez mais específicas, e o setor ainda carrega um estigma de trabalho puramente braçal, o que afasta muitos jovens.
Entretanto, como destaca Parente, a profissionalização é essencial para preencher as vagas que continuarão sendo geradas.
Futuro da construção civil: uma crise que exige ação
O setor de construção civil precisa repensar suas estratégias para contornar o déficit de trabalhadores.
A crise atual exige uma ação coordenada entre empresas, sindicatos e instituições de ensino, com foco em capacitação e atualização tecnológica.
O aquecimento do mercado, impulsionado por programas habitacionais e pelo aumento na demanda por infraestrutura, deixa claro que a transformação do setor é não só necessária, mas urgente.
Com tantas oportunidades e um mercado aquecido, a questão permanece: o setor da construção civil conseguirá superar a falta de mão de obra qualificada e se preparar para o futuro?
Fonte: Click Petróleo e Gás