É fundamental entender a estratégia do Banco Central para reduzir a inflação
A diferença atual entre a taxa de juros e a inflação no Brasil é significativamente maior do que na África do Sul, por exemplo.
Usando o arcabouço teórico dos ganhadores do prêmio Nobel de Economia de 2024 é possível imaginar que a razão para isso é o Banco Central (BC) ter sido transformado, ao longo do tempo, numa instituição “extrativista”. Os interesses do sistema financeiro local dominam as decisões de política monetária.
Ou talvez não seja nada disso. O problema verdadeiro é que outros grupos da sociedade brasileira capturaram parcela do Estado e obrigam o governo a gastar mais do que arrecada.
Com um déficit fiscal elevado e crescente, a única saída é o governo emitir títulos com juros cada vez maiores. E o excesso de demanda provocado por um orçamento deficitário obriga o BC a manter os juros altos para controlar a inflação.
Ou o motivo para os juros elevados pode ser a taxa de crescimento da dívida pública. A relação entre o estoque da dívida e o Produto Interno Bruto (PIB), um indicador que busca contabilizar tudo o que o país produz em um determinado ano, não pode subir indefinidamente.
De modo parecido com a situação de uma família, se a dívida sobe mais do que as receitas, em determinado momento haverá uma crise de solvência. Os juros mais altos aqui, então, seriam decorrentes desse risco.
São todas explicações factíveis para justificar que a diferença entre juros e inflação seja maior no Brasil do que em outros países. Mas a inflação também pode ter outras causas.
Existe a possibilidade de que o aumento dos preços em certo período fique transitoriamente acima da meta perseguida pelo BC por causa de choques de oferta. À medida que o equilíbrio entre oferta e demanda se estabilize, os preços poderiam voltar a ficar estáveis.
Todas essas argumentações econômicas podem ser modeladas. Significa estabelecer relações de causas e efeitos e atribuir parâmetros e equações para prever os efeitos futuros.
No entanto, uma crítica frequente aos modelos econômicos é que eles não necessariamente refletem a realidade. É o argumento, por exemplo, do economista David Deming em artigo recente na revista “The Atlantic”.
Muitas vezes os modelos acabam sendo construções teóricas para testar e embasar conclusões de pesquisas anteriores feitas por outros economistas. Daí, argumenta Deming, a concentração de prêmios para economistas de apenas oito universidades americanas.
O prêmio Nobel deste ano de uma certa forma confirma a tese. Trabalhos sobre a importância das instituições já tinham sido desenvolvidos anteriormente por Douglass North, vencedor do prêmio em 1993.
O ponto fundamental para o investidor brasileiro é entender as razões para que os juros por aqui sejam tão altos. E como exatamente o BC pretende atingir o objetivo de reduzir a inflação, atualmente em cerca de 4,5% ao ano.
A taxa Selic hoje está em 10,75% ao ano. Mas a previsão consensual é de um aumento de mais meio ponto percentual na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) marcada para a primeira semana de novembro.
As taxas de mercado para prazos mais longos estão ainda mais altas. O Tesouro Prefixado com vencimento em janeiro de 2029, por exemplo, tem remuneração de 13% ao ano.
A interpretação é que existe a perspectiva de que a taxa Selic irá subir ainda mais. Isso porque para que um investimento no Tesouro Selic acabe com o mesmo rendimento do Tesouro Prefixado, a taxa básica de juros teria que aumentar de hoje até o começo de 2029.
Já o Tesouro IPCA com vencimento em maio de 2029 tem juros de quase 7% ao ano. No jargão de mercado, a diferença entre os juros dos títulos prefixados e dos juros dos títulos indexados à inflação é conhecida como “inflação implícita”.
A diferença entre as taxas do Tesouro Prefixado e do Tesouro IPCA, portanto, sinaliza uma estimativa de inflação de cerca de 6% ao ano. Como o valor é muito acima das projeções dos economistas consultados pelo BC, a conclusão é que, no momento, as expectativas estão muito desalinhadas.
Ou a economia brasileira começa a apresentar uma inflação muito maior do que a que tem sido registrada nos últimos 12 meses, ou, então, os juros dos títulos prefixados estão exageradamente altos.
Esse é o desdobramento que precisa ser acompanhado. Caso contrário, as análises econômicas correm o risco de ficarem baseadas em modelos teóricos cada vez mais distantes da realidade.
Fonte: Valor Econômico