Investimentos em infraestrutura fortalecem empresas brasileiras, que atravessaram longo período de escassez de contratos
A comemoração dos 65 anos de existência do Sinicon (Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura) nos oferece um momento de reflexão sobre a trajetória da engenharia pesada do Brasil e, principalmente, sobre a situação atual e a perspectiva do setor.
Há, de fato, um acervo impressionante de realizações, mas há tantos outros motivos de preocupação quando nos deparamos com as ambições que temos como país, que necessita ultrapassar os constrangimentos e limitações que enfrentamos por nossa situação de renda média e de profunda desigualdade social.
Tomemos como exemplo o setor do agronegócio, que tem sido ao longo da nossa história recente o setor mais dinâmico da economia nacional e que projeta, com ambição realista, a continuidade de seu crescimento para o horizonte de médio prazo. O que dizem os empresários do setor do alto de sua trajetória de sucesso e de domínio das tecnologias de produção? A grande preocupação está “da porteira para fora”.
Esta preocupação com as externalidades do setor pode ser resumida em uma matéria: infraestrutura de armazenagem, logística e transporte são limitadores da expansão do setor. O economista Cláudio Frischtak desenvolveu, por encomenda do Sinicon, uma avaliação da trajetória da infraestrutura brasileira, traduzindo esta evolução por meio de um indicador (gráfico mais abaixo) que reflete o estoque de capital nacional em relação ao PIB do país.
O estudo demonstra que de 1970 até o início dos anos 1990, conseguimos registrar uma relação que alcançou no seu pico um percentual de 53,4% em 1992. Daí em diante tivemos uma queda contínua para um patamar que hoje se situa na faixa dos 35%. É o reflexo natural do baixo volume de investimentos públicos e privados em infraestrutura, que se constitui em barreira para o crescimento do setor produtivo do país, limitando o seu potencial e reduzindo a sua competitividade, a exemplo do que demanda o setor do agronegócio. O volume de investimento atual demonstra que sequer é possível manter a infraestrutura existente.
A proposta de crescimento que o Sinicon oferece (tabela a seguir) busca ser realista e requer uma política de Estado, alicerçada no planejamento de longo prazo e na busca do patamar de 60% para o Estoque de Capital em relação ao PIB em um horizonte de 20 anos. Como os investimentos em infraestrutura hoje são da ordem de 2% do PIB para o somatório das participações pública e privada, o atingimento da meta se daria com incrementos anuais de 0,2%, o que convenhamos é mais do que factível em havendo planejamento e prioridade política.
As empresas brasileiras do setor que trazem em seus históricos a realização de obras que resumimos no indicador Estoque de Capital continuam ativas e empenhadas também em retomar o patamar de atividade que alcançaram em passado recente e que entre outros aspectos se refletia nos seus expressivos indicadores de emprego, efeito-renda e recolhimento de impostos.
É parte fundamental da tarefa de retomada dos investimentos em infraestrutura o fortalecimento das empresas brasileiras, que atravessaram longo período de escassez de contratos e de falta de isonomia, resultando na dispersão de parte substancial de seus efetivos e ativos.
A nova Lei de Licitações, embora traga no seu texto final critérios de técnica e preço aplicáveis às obras de engenharia, deixa espaço para a aplicação de critérios de seleção exclusivamente amparados no menor preço. Este critério, como sabemos, eleva substancialmente o risco de contratações que tendem a prejudicar o contratante pela sua exposição a executores que carecem da experiência necessária aos imperativos de projetos e que muitas vezes acarretam a interrupção de obras, situação frequente no nosso mercado.
Uma política ativa de financiamento de capitais fixo e de giro para o setor de infraestrutura é uma exigência incontornável para a plena retomada das empresas do setor. Há em curso no programa governamental NIB (Nova Indústria Brasil) um esforço para o estabelecimento de condições financeiras de estímulo ao setor industrial que se espelha na já consolidada política de financiamento ao setor do agronegócio. Iniciativa que haverá de se consolidar e que integra o grande esforço de retomada e modernização do nosso parque industrial ajustado às exigências da economia verde e da transição energética.
O setor de construção pesada de infraestrutura requer também uma política pública de apoio para que a sua retomada, sobretudo para as empresas nacionais, seja plena e capaz de contribuir efetivamente com os desafios que o crescimento econômico impõe. As empresas brasileiras do setor de infraestrutura continuam também operando no exterior, onde alcançaram posição de grande destaque com o apoio de financiamentos de serviços de engenharia que hoje estão paralisados em função de uma avaliação inadequada quanto ao resultado dessa política pública de longa duração.
Desde o início da década de 1980 que financiamentos a obras de grande envergadura foram realizados para empreendimentos, como, por exemplo, a hidrelétrica de Capanda, em Angola, empreendimento executado em consórcio com empresa soviética, em pleno regime militar. Pouco se reteve dessa iniciativa que resultou de uma forte presença brasileira neste mercado até o presente, embora sem a pujança de tempos recentes.
O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) que foi a última instituição no Brasil responsável pelo financiamento de bens e serviços no exterior exibe em suas informações financeiras dados que demonstram que o balanço consolidado de suas operações de financiamento a projetos de engenharia no exterior é amplamente superavitário. Há inadimplementos, sim, mas a visão macro atesta o acerto da política.
Se um inadimplemento residual fosse suficiente para invalidar uma determinada linha de crédito, o sistema bancário de modo geral só poderia operar como recebedor e distribuidor de depósitos à vista definidos por seus titulares, situação hipotética que dispensaria maiores reflexões.
Um dos maiores líderes empresariais do Brasil no setor de Engenharia costumava repetir pedagogicamente para seus executivos que “não há empresa forte em país fraco”, num claro chamamento à responsabilidade incontornável com clientes públicos e privados. Em conclusão, queremos expressar a recíproca desta reflexão no sentido de que não há país forte com empresas de construção pesada fracas.
Fonte: Poder 360