Recomposição em escala de terras públicas impõe regime jurídico próprio
O Brasil tem extensas áreas desmatadas e abandonadas ou de pecuária de baixa produtividade. Apenas na Amazônia há 15 milhões de hectares desmatados e sem qualquer uso agropecuário —uma área equivalente ao Ceará, que poderia ser alocada para a restauração florestal, com potencial de gerar emprego e renda para a população local.
Ocorre que no bioma mais de 65% do território é composto por terras públicas. A restauração em escala dessas áreas, incluindo florestas públicas não destinadas, unidades de conservação, terras indígenas e assentamentos, depende da atuação coordenada entre poder público, comunidades locais e setor privado, aportando recursos, mão de obra especializada e tecnologia.
Além disso, para alavancar a restauração, é necessário aproveitar oportunidades econômicas, como o mercado de crédito de carbono. A geração e comercialização de créditos de carbono, provenientes de reflorestamento, depende de condições físicas favoráveis ao crescimento da vegetação e de vários outros fatores, como um bom arcabouço legal. A restauração de terras públicas precisa de um ambiente regulatório que garanta segurança jurídica e determine as responsabilidades do poder público e dos restauradores para uma boa gestão dos riscos da atividade.
Parcerias entre o poder público e a iniciativa privada são muito utilizadas no direito administrativo brasileiro, sobretudo no setor de infraestrutura. No que tange à gestão e conservação de recursos florestais, o regime jurídico mais adotado é o das concessões florestais. Esse mecanismo foi escolhido pelo legislador para regulamentar a atuação do setor privado na restauração florestal de terras públicas.
Entretanto, restauração florestal e manejo florestal têm objetivos, metodologias e desafios completamente distintos. Devem, assim, ser regulamentados de maneira a atender às suas especificidades.
A concessão florestal pressupõe a exploração florestal de áreas públicas conservadas. O benefício da atividade é privado, mas o impacto no meio ambiente é compartilhado por toda a sociedade. Assim, o direito regulamenta a concessão florestal com vistas a limitar os impactos, impondo um plano de manejo florestal sustentável e responsabilidades para o concessionário.
Já a restauração florestal em terras públicas tem uma situação oposta. Trata-se de uma atividade que recupera o meio ambiente degradado, com custos para o restaurador, mas benefícios para toda a sociedade. O direito deveria, assim, regulamentá-la a fim de impulsionar a atividade e a participação do setor privado.
Para atrair o setor privado, os benefícios precisam compensar os custos. A possibilidade de explorar os créditos de carbono decorrentes da restauração é um bom atrativo, mas os riscos ainda são enormes. O regime das concessões florestais coloca sobre o privado toda a responsabilidade para gestão e defesa do território —e fazer isso na Amazônia é uma tarefa hercúlea. A região é marcada por violências associadas a crimes ambientais, ocupação irregular de terras, exploração ilegal de madeira e de ouro e presença crescente de facções criminosas ligadas ao tráfico de drogas. A baixa capacidade de o Estado fiscalizar e punir tais ilegalidades aumenta profundamente os riscos da atividade de restauração.
O direito ambiental brasileiro visa regular a atuação do Estado e dos setores privados, de forma a limitar os impactos negativos no meio ambiente, mas não regulamenta de forma efetiva as atividades que promovem impactos positivos. Essas atividades contam apenas com instrumentos de mercado, como pagamentos por serviços ambientais e mercado de carbono.
Para alavancar o potencial da restauração florestal em escala em terras públicas é necessário estabelecer um regime jurídico próprio, com novos instrumentos jurídicos e novas modalidades de contratos administrativos —ou uma utilização inovadora dos mecanismos existentes. Só assim o país poderá tirar proveito dos benefícios da restauração florestal em âmbito climático, ecológico e socioeconômico.
Fonte: Folha de S.Paulo