Evento reúne, no Rio, esta semana, dezenas de especialistas de todo o mundo para debater mudanças no sistema global
A arquitetura financeira internacional não é capaz de responder aos desafios impostos pela mudança climática e o aprofundamento das desigualdades que ela impõe. Não à toa, essa se tornou uma pauta em debate em diversos fóruns do G20, inclusive no encontro dos ministros das Finanças, onde foram discutidos diversos mecanismos, incluindo a tributação global dos super-ricos para corrigir distorções históricas. Cerca 40 especialistas de países de África, Ásia e das Américas, estão reunidos nesta semana no Rio de Janeiro, em uma conferência promovida pelo International Development Economics Associates (IDEAs) junto com o Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e com o apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para refletir sobre as ações exigidas pelo atual ambiente econômico e geopolítico global.
– O formato atual não nos permite lidar com crises de dívida externa em todo o mundo e não está provendo soluções financeiras para desafios críticos como a mudança climática e saúde. Então, nós realmente temos que reinventar e isso pode ser feito, mudando a estrutura e a organização para que alguns países poderosos não possam tomar todas as decisões – afirma a indiana Jayati Ghosh, professora de Economia na Universidade Jawaharlal Nehru, especializada em economia do desenvolvimento, macroeconomia e estudos de gênero.
A argentina Margarita Olivera, professora do Instituto de Economia da UFRJ, há dez anos no Brasil, membro do board latinoamericano do IDEA, diz que pela primeira vez o G20 está tentando trazer um olhar desde o Sul Global e que isso é fundamental para a reforma dessa arquitetura financeira internacional. Ela antecipa que um documento será construído no evento para ser encaminhado à reunião da cúpula do G20 que se reúne no Rio em novembro.
– Poder trazer tantas vozes que vão pensar a reforma do sistema financeiro internacional a partir da necessidade dos países que estão passando situações mais difíceis, com condições menores de desenvolvimento, de maior desigualdade, de exclusão, é muito importante para o melhor funcionamento do G20 e para a reforma da arquitetura financeira internacional. Ter a possibilidade de essas vozes serem ouvidas é absolutamente fundamental. Agora é o momento. Estamos diante de situações muito complexas, com meio ambiente, com desigualdade, com aumento das exclusões. É importante ouvir os acadêmicos e a sociedade civil neste contexto, já que o G20 está tentando trazer um olhar um pouco mais propositivo e crítico sobre onde chegamos e como alcançaremos as mudanças que precisamos – destacou a professora.
Questionado pelo blog de qual seria o caminho para o desenvolvimento mais sustentável, visando uma transição para uma economia verde, Jomo Kwame Sundaram, membro da Academia da Ciência da Malásia e professor Emérito na Universidade de Malaya, lembrou que, em 2008, as Nações Unidas propuseram um novo acordo verde global para relançar a economia e o comércio mundiais, abordando ao mesmo tempo a sustentabilidade ambiental no contexto do fortalecimento do desenvolvimento multilateral liderado pela entidade. E ressalta que, embora o G20 tenha arrecadado mais de um bilião de dólares para dar o pontapé inicial, o financiamento não foi aplicado conforme proposto, mas utilizado para fortalecer o FMI.
– Na fase em que o mundo se encontra, é necessário muito financiamento para alcançar o desenvolvimento sustentável, mas não parece haver nos países ricos essa disposição, apesar das promessas feitas há mais de meio século. Isso pode ser ultrapassado imediatamente com a emissão regular massiva de direitos de saque especiais para permitir aos países em desenvolvimento promover o desenvolvimento sustentável, incluindo as necessidades de financiamento climático, especialmente para a adaptação. Com mais de um bilhão de pessoas do mundo sem acesso à eletricidade, esse financiamento deverá permitir, por exemplo, eletricidade acessível para todos, utilizando fontes renováveis em vez de combustíveis fósseis. Isto permitiria produtividade, crescimento e rendimentos muito maiores para os pobres, independentemente da vontade das nações ricas de cumprirem os seus compromissos. Com o limite de aumento de temperatura de 1,5°C a ser provavelmente excedido em menos de uma década, é necessário ultrapassar urgentemente a restrição de financiamento – afirma Sundaram.
O economista Winston Fritsch, do Cebri, em entrevista à Míriam Leitão na semana passada, chamava atenção para a necessidade de mudança no fluxo global de capitais. Ele ponderou ainda, que se a Índia, que é a nova China no que diz respeito a patamar de crescimento, usar o modelo chinês para o desenvolvimento o mundo enfrentará um verdadeiro desastre ambiental.
No Rio para o evento, o economista indiano Prabhat Patnaik, professor emérito do Centro de Estudos Econômicos e Planejamento da Universidade Jawaharlal Nehru, em Nova Delh, foi além e disse ao blog que se o modelo de crescimento for de fabricação para exportação, o PIB da Índia pode crescer, mas a pobreza do país não será superada:
– Tenho objeções fundamentais a que a Índia siga o caminho de simplesmente confiar nas corporações multinacionais e nas grandes empresas nacionais para localizar fábricas no país para exportar para o mercado mundial. Isto não é apenas perigoso para o ambiente; mas, além disso, também não supera os problemas fundamentais do desemprego e da pobreza que afligem o país, por mais elevada que pareça ser a taxa de crescimento do PIB. Acredito que a Índia deve seguir um caminho em que o seu mercado interno seja a principal fonte de crescimento e seja expandido não apenas através de medidas fiscais que permitam o fornecimento público de educação e cuidados de saúde gratuitos de forma universal, mas também através de uma expansão da agricultura camponesa que coloque o poder de compra nas mãos de milhões de pequenos produtores, cuja procura é por bens relativamente simples e intensivos em emprego que esgotariam as reservas de mão-de-obra – aponta o economista marxista.
Fonte: O Globo