Marco legal é o motor do setor de infraestrutura

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Companhias da área de saneamento básico buscam soluções para vencer desafios antes da data prevista para a universalização dos serviços, em 2033

Com a meta da universalização dos serviços se aproximando e desafios gigantes por vencer antes da data prevista (2033), o saneamento vai precisar de muito esforço inovador caso queira andar em velocidade ao menos próxima à do passar dos anos. A julgar pelo ranking de inovação do setor de infraestrutura, as empresas da área estão cientes do gigantismo da tarefa e se debruçam na busca de soluções para turbinar os avanços. Das cinco que estão no topo do ranking, quatro são de saneamento básico — Sabesp, Sanepar, BRK Ambiental e Aegea — e uma de saneamento ambiental, a Ambipar, especializada em tratamento de resíduos sólidos industriais.

A dimensão dos desafios do saneamento básico pode ser vista pelos números do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) de 2022, os mais atuais, compilados no estudo Avanços do Novo Marco Legal do Saneamento Básico no Brasil, versão 2024, do Instituto Trata Brasil/GO Associados. Enquanto o abastecimento de água alcança 84,9% da população, a coleta de esgoto chega apenas a 56% e o tratamento não passa de 52,2% da coleta. A meta para 2033 é 99% de água e 90% de coleta e tratamento de esgoto.

A Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que na pesquisa deste ano saltou para o primeiro lugar, embora posicionada no topo da pirâmide setorial, atendendo a mais de 28 milhões de clientes no Estado mais rico do país, sabe que a batalha não está ganha e investe na busca de alternativas para seguir avançando.

“A inovação é uma das alavancas que têm assegurado à Sabesp seguir como protagonista global no setor de saneamento e na transformação da vida de seus clientes, da sociedade em geral e do meio ambiente”, destaca Paula Violante, diretora de engenharia e inovação da Sabesp, que acaba de passar por um processo de privatização. Os investimentos para perseguir tais objetivos somam 1,34% da receita ao ano — 4,25% dos investimentos totais da empresa. Em valores, atingem R$ 32,1 milhões em 2023 e R$ 10,1 milhões no primeiro semestre deste ano.

Embora disponha de um time de 38 pessoas integralmente dedicadas ao tema da inovação, a executiva explica que ele funciona mais como núcleo de gestão, captação, desenvolvimento e apoio aos processos de inovação que estão disseminados por toda a empresa, inclusive incentivando com premiações.

Violante diz que a Sabesp adota o conceito de inovação aberta, baseado em “múltiplas parcerias e compartilhamento de conhecimento para construção de soluções inovadoras”. O leque de parceiros vai de universidades, agências de fomento e startups até companhias de saneamento globais, passando por outros agentes, como institutos de ciência e tecnologia e agências ambientais. Os resultados dessa estratégia têm sido bons. Um dos destaques da longa lista citada pela diretora é o Sistema de Oxigenação (SOX) do rio Pinheiros, que, utilizando tecnologia inédita no Brasil para a recuperação de corpos hídricos degradados, consegue transferir oxigênio para a água em níveis mais de 15 vezes maiores do que permitem as tecnologias convencionais, sem gerar resíduos e nem usar produtos químicos.

Outras iniciativas inovadoras elencadas pela executiva são a instalação de 43 usinas de geração fotovoltaicas em áreas próximas às suas instalações operacionais, reduzindo os custos com energia elétrica, e a produção de biometano a partir do biogás gerado nas estações de tratamento de esgoto.

A Companhia de Saneamento do Paraná (Sanepar), que vem de um bicampeonato no ranking de inovação do anuário Valor Inovação Brasil e neste ano ficou em terceiro lugar, também tem uma longa lista de processos inovadores que está desenvolvendo não só para alcançar a universalização com qualidade, como também para encontrar alternativas sustentáveis para lidar com os resíduos inerentes a seus serviços.

Segundo o diretor de inovação e novos negócios da estatal paranaense, Anatalício Risden Júnior, iniciativas voltadas para temas como mitigação e adaptação às mudanças climáticas, aumento da resiliência hídrica, tratamento avançado de água e esgoto e valorização de resíduos geraram reduções de custos ou receitas complementares que somam mais de R$ 1 bilhão, além dos ganhos operacionais e redução de impactos socioambientais.

Entre as iniciativas inovadoras citadas por Risden estão as Parcerias Público-Privadas (PPPs) para a manutenção dos sistemas de esgoto municipais com o objetivo de acelerar a universalização. A Sanepar concede os serviços e controla sua qualidade a partir de critérios de desempenho que podem resultar em prêmios ou penalidades.

O primeiro certame, realizado em 2023, abrangeu 16 municípios da microrregião Centro-Litoral do Paraná e, segundo Risden, além de acelerar a disseminação dos serviços, vai proporcionar para a estatal economia estimada em R$ 650 milhões ao longo dos 25 anos dos contratos. Já estão em andamento processos licitatórios para estender a inovação a outros 112 municípios do Paraná.

A diretoria comandada por Risden foi posta em funcionamento em novembro do ano passado. O objetivo, segundo ele, foi fortalecer a capacidade da empresa para operar no ambiente cada vez mais competitivo nascido do novo Marco Regulatório do Saneamento, anunciado em 2020. A tendência é que ela turbine investimentos em inovação, que somaram R$ 13 milhões em 2022 e R$ 15 milhões em 2023.

A BRK Ambiental, empresa do grupo canadense Brookfield, que passou do terceiro lugar em 2023 para o quarto em 2024, manteve a liderança entre as operadoras do setor privado, uma vez que a Sabesp era estatal quando da realização da pesquisa. Com operações em mais de cem municípios de 13 Estados brasileiros, incluindo as capitais Salvador, Recife, Maceió e Palmas, a empresa, segundo sua diretora de estratégia e relações com os investidores, Gabriella Mierel, não possui área específica de inovação, partindo da filosofia de que a disposição para inovar “deve estar no trabalho de todos os profissionais” do grupo.

Para estimular este entendimento, segundo a executiva, a companhia instituiu o Prêmio BRK Atitude & Inovação, que reconhece e premia anualmente as ideias e soluções inovadoras da equipe. O mesmo é feito na busca por soluções compartilhadas (inovação aberta) com outras empresas, startups, universidades e outros parceiros. A BRK direciona mais de 5% da sua receita líquida à inovação e entre as aplicações mais inovadoras já implantadas está o sistema de monitoramento com uso de telemetria, inteligência artificial e internet das coisas (IoT) para reduzir perdas de água.

A Aegea, uma das líderes do segmento, com presença em 507 municípios de 15 Estados brasileiros e mais de 30 milhões de usuários, segundo dados do seu diretor de inovação, Maurício Endo, também pratica inovação aberta, incluindo parcerias estratégicas com outras empresas, universidades e startups, na busca de captar “conhecimento de fora” e para acelerar seu processo de crescimento e a qualidade dos serviços. A empresa, segundo ele, tem 30 contratos em andamento com startups, sem contar as que já alcançaram maturidade.

Para o executivo, o maior desafio atual do saneamento é aumentar a cobertura de coleta e tratamento de esgoto. Uma das estratégias inovadoras que a Aegea e outras empresas do setor estão utilizando para acelerar esse processo é a construção de estações de tratamento de pequeno e médio portes, em um sistema modular que permita a coleta e o tratamento na mesma área, diferentemente da concepção tradicional de fazer grandes estações e extensas redes de conexão. Na sua avaliação, esta e outras inovações são produtos da entrada maciça do setor privado na área, especialmente a partir do novo marco regulatório, inclusive estimulando as empresas estatais a ampliar seus investimentos em inovação.

O domínio das empresas de saneamento básico sobre as cinco primeiras posições do ranking só não foi completo dada a colocação, em segundo lugar, da Ambipar, da área de resíduos sólidos industriais. “Nosso papel é entender as demandas do mercado e criar soluções para que os resíduos voltem para a cadeia produtiva por meio de uma tecnologia de impacto ou algum produto”, explica Gabriel Estevam, head de inovação da empresa.

Na sua estrutura laboratorial localizada em Nova Odessa (SP), a empresa, segundo Estevam, tem desenvolvido soluções de economia circular que vão contra a tradição de depositar esses resíduos em aterros sanitários. Uma dessas soluções é a transformação de resíduos das indústrias de alimentos e bebidas em álcool de limpeza ou até em etanol. Outra, que ganhou visibilidade pública, foi o uso de cápsulas de colágeno da indústria farmacêutica que seriam descartadas para fazer uma biocápsula que comporta ao mesmo tempo sementes de árvores nativas da Mata Atlântica e adubo originário da indústria de papel e celulose. Essas biocápsulas estão sendo lançadas por drones nas “cicatrizes” deixadas nas encostas do município de São Sebastião (SP) para promover o reflorestamento das áreas degradadas pelos deslizamentos de fevereiro de 2023.

Fonte: Valor Econômico