Rodger Campos
É preciso pensar como o despreparo das cidades às fortes chuvas e mudanças no clima põem em xeque a vida e parte do patrimônio das famílias
É preciso falar de infraestrutura nas cidades. A situação calamitosa do Rio Grande do Sul colocou em perspectiva, mais uma vez, a infraestrutura de saneamento básico, especialmente drenagem urbana. Em janeiro desse ano, os paulistanos enfrentaram temporais que causaram não apenas alagamentos, mas deixou a cidade por mais de 48 horas sem energia. Não é de hoje que perdemos vidas e empobrecemos em decorrência de enchentes nas cidades brasileiras.
O cenário aponta para a necessidade urgente de medidas preventivas e resiliência climática. É preciso pensar como o despreparo das cidades às fortes chuvas e mudanças no clima põem em xeque a vida e parte do patrimônio das famílias. Em algumas áreas das cidades, o mercado imobiliário desaquece ou inexiste em razão da ausência de infraestrutura para superar desafios derivados da ausência de saneamento básico. O preço reduzido das propriedades em locais de enchentes afeta renda e riqueza. Um efeito recessivo duplo.
Estimar o custo de enchentes não é trivial e envolve muitas esferas. No cálculo monetário deveriam constar o custo das propriedades perdidas, da desvalorização do imóvel, da iliquidez do ativo, das perdas para o comércio, da depreciação da infraestrutura existente e, mais importante, das vidas perdidas. Longe de estimar todos esses efeitos, aponto apenas como as enchentes afetam os preços dos imóveis, usando como exemplo a cidade de São Paulo.
Ao adquirir ou alugar um imóvel, leva-se junto as vantagens e desvantagens associadas à localização, como os riscos e benefícios presentes na rua, quarteirão e bairro. Enfrentar enchentes claramente é uma desvantagem, algo que nenhum morador ou proprietário gostaria de enfrentar. A situação torna-se mais complexa quando o efeito da enchente não fica restrito ao período de fortes chuvas, mas assombra o proprietário interessado em vender ou alugar.
Os locais de enchentes dentro das cidades têm o potencial de impactar negativamente a economia local. Ao analisar anúncios de imóveis na internet, os preços anunciados de apartamentos em áreas suscetíveis a alagamentos são inferiores àqueles localizados em áreas não afetadas por esse problema. Até aí, esse é um resultado esperado.
Alguns cálculos estatísticos apontam que o deságio médio estimado para imóveis localizados em áreas de enchente é de aproximadamente 1% quando comparados aos imóveis localizados em áreas mais seguras na cidade de São Paulo. Resultado não desprezível.
Em termos monetários, o custo do alagamento para proprietários de imóveis é aproximadamente R$ 8.500. Para ilustrar, se os 11 mil imóveis anunciados nessas áreas fossem transacionados, o custo total estimado do alagamento seria de R$ 93,5 milhões. Esse montante certamente está subnotificado, pois ficam de fora da análise casas, propriedades comerciais e terrenos, considera apenas imóveis para venda e desconsidera anúncios não publicados na internet. Àqueles interessados apenas em utilizar o imóvel como colateral em empréstimos também observam redução de acesso ao crédito em virtude da desvalorização dos imóveis.
Ausência de drenagem urbana deprecia ativos imobiliários, mesmo na ausência de fortes chuvas que ocasione alagamentos. Infelizmente, após o escoamento das águas não é somente a reconstrução da normalidade que desgasta. Preocupa também saber que parcela do patrimônio dos cidadãos, a riqueza imobiliária, e acesso ao mercado de crédito vão embora nas águas das enchentes.
Aos políticos, investimentos aplicados em drenagem urbana se escondem debaixo do solo e não capitalizam em voto. Aos eleitores, não esqueçam de olhar um pouco mais abaixo do solo que se pisa.
Fonte: Folha de SP