Cláudio Frischtak
A retomada das obras da Nova Subida da Serra será adiada, pelos cálculos do governo, em cerca de quatro anos
O Ministério dos Transportes, por meio da Portaria 848, vem desde 2023 incentivando concessionárias de rodovias em condições de desequilíbrio a submeter pleitos de “otimização” dos contratos, de modo a dirimir conflitos e melhorar a qualidade das estradas. Na essência, os operadores interessados se comprometem a realizar novos investimentos num período máximo de 15 anos de extensão do contrato e a acordar uma trajetória de valores de pedágio abaixo de um valor máximo definido pelo governo. Antes da assinatura do novo contrato e como condição necessária, pendências judiciais são dirimidas. E, finalmente, os termos da repactuação têm um teste de mercado por meio de uma licitação na B3, que, por definição, atrairia um ou mais interessados.
Não se enxerga qualquer distorção de primeira ordem nesse modelo, particularmente ao levar em consideração as condições de uma concessão rodoviária no país, talvez a de maior complexidade dentre as infraestruturas “horizontais”. São operações que interagem direta e diuturnamente com múltiplas partes interessadas: usuários, prefeitos, legisladores locais, além do regulador e órgãos de controle. Comumente há forte insatisfação e incompreensão, agravada pelo temor das concessionárias de vir a público detalhar as condições objetivas de operar no país, na medida em que a interação delas com o Estado é de natureza contínua ou repetitiva. Daí o incentivo econômico a desistir da concessão ou buscar o Judiciário para arbitrar conflitos.
O Estado é confrontado com a dificuldade de modelar, contratar e regular as concessões ante a incompletude inerente aos contratos; com uma alocação de riscos que se transforma num “cabo de guerra” pelos choques adversos não previsíveis que afetam o equilíbrio de contratos; e com as dificuldades de incorporar ao cálculo regulatório o capital específico acumulado ao longo do tempo pelos concessionários para executar em tempo hábil e menores custos investimentos de maior complexidade.
A Portaria 848 procura oferecer uma saída, ao adaptar os contratos dos atuais concessionários, ao absorver seus projetos de investimento e ao emular as condições de mercado por meio de um processo licitatório que não exclui, contudo, a eventual troca de operador (se um novo superar as condições ofertadas). É exatamente nesse sentido que, instada pelo voto de um ministro do TCU num acórdão, e se abstendo das consequências, pretende-se uma nova licitação para a Rio-Juiz de Fora com base num projeto sem certificação ou licenciamento ambiental, impactando Área de Preservação Permanente, implicando maiores custos — parte dos quais seria assumida pelo governo — e ignorando o trabalho já realizado no âmbito da Portaria 848. Essa não é uma boa notícia para os usuários (eu me incluo há mais de 30 anos). Fundamentalmente por dois motivos.
A retomada das obras da Nova Subida da Serra (NSS) — o maior gargalo na logística de transportes no Estado do Rio — será adiada (pelos cálculos do governo) em cerca de quatro anos, e sua conclusão, conservadoramente, em não menos de cinco, seis anos. A execução de um novo projeto ainda sem certificação, licenciamento ambiental, enfrentando uma combinação de desconhecimento e elevada incerteza, levará a conclusão da NSS para meados dos anos 2030 — enquanto já há um projeto certificado e licenciado pela concessionária que pode ter partida ainda em 2024 e ser executado em três anos, respondendo ao crescimento da demanda pelas próximas duas décadas. E mais: o governo assumir riscos privados para viabilizar a NSS pela incerteza associada ao novo projeto é exatamente reproduzir o erro matricial que levou à sua paralisação em 2016. Em dezembro de 2014 e 2015 o governo federal deixou de honrar compromissos contratuais de financiamento da NSS — a concessionária recebeu aproximadamente 20% do devido, executou 46,7% (de acordo com a perícia do juiz) e quebrou. O resto é História.
Fonte: O Globo