Dias após a COP28, e da recém-aprovada legislação sobre a regulação do mercado de créditos de carbono brasileiro na Câmara dos Deputados, muito pouco tem se falado sobre a relação dos créditos de carbono e o setor de saneamento básico.
Esboçamos algumas linhas do que pode ser ao mesmo tempo uma oportunidade para o Brasil e, acima de tudo, o pagamento de uma dívida histórica com aqueles que vivem nas favelas e comunidades isoladas do nosso vasto e desigual território.
Os jornais vêm expondo as mazelas do abismo social em que vivemos em termos de saneamento básico. Enquanto diversas cidades possuem índices europeus, o fato é que muitos bairros das periferias vivem situações vexatórias.
Rios eram elemento de conexão, de comércio, de integração. Hoje, muitos passaram a ser elementos de divisão de territórios. Como que num passe de mágica, nossas crianças hoje acreditam que as água que brotam das torneiras nascem ali mesmo, perdendo a conexão com as fontes. Na mesma lógica, nossos filhos crescem aprendendo a dar “tchau” para o “cocô” nas privadas, quando na verdade deveria ser um “até breve” —porque, como sabemos, a água no planeta Terra é a mesma desde os tempos dos dinossauros. Não há água nova; há, sim, água mais ou menos poluída. E aqui é que está justamente a conexão do saneamento com o mercado de carbono.
Estudos de grandes universidades do mundo já comprovaram que a segunda causa de gases de efeito estufa nas cidades são rios poluídos. Reportagem da BBC (“The rivers that ‘breathe’ greenhouse gases”) lista a importância dessa temática. Isso porque, segundo esses estudos, o metano pode ser até dez vezes mais poluente que o CO2.
O fato é que as regras das Nações Unidas (IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) que regulam o mercado de carbono no mundo nunca levaram em consideração esse fator, mas, nos países do Sul, com baixos níveis de saneamento, tem que ser uma prioridade nas discussões das COPs e nas regulações dos mercados de carbono. A regulação que agora tramita no Senado deve observar esse ponto.
Atualmente, a cada estação de tratamento de esgoto construída, as empresas ficam negativas na emissão de carbono. Ajudam na tarefa de levar saúde para as famílias, despoluem rios e ganham de presente uma contabilidade negativa de carbono. A lógica tem que ser outra: o carbono que é produzido nas estações de tratamento de esgoto pelos “cocôs” tratados que já existem na natureza não deveria ser contabilizado, mas sim compensado pelo carbono que deixou de ser emitido pelos rios, agora limpos. Além disso, estações modernizadas podem capturar esses gases, produzir energia limpa e gerar créditos de carbono.
Na próxima conferência da ONU sobre o clima, o governo brasileiro pode liderar a discussão e contribuir para que esse abismo social mundial que circunda as favelas e seus córregos poluídos possa ser uma fonte de receita de créditos de carbono.
Queremos preservar nossas florestas, mas também salvar nossos rios. Afinal, todos sabemos que sem verde não há água, sem água não há verde e sem verde e água não há vida.
Fonte: Folha de S. Paulo