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jornal O GloboEconomia02/09/2020

Público x Privado

Luiz Fernando Santos Reis

O que acontece se um cidadão comum, como você, deixa de pagar as prestações de um imóvel que comprou, a parcela de um carro ou qualquer outro bem ou financiamento bancário? Certamente será penalizado. Poderá ter seu imóvel retomado e sofrerá duras consequências. O mesmo, certamente, ocorrerá com outros bens que você tenha comprado. Seu nome irá para o Serasa ou algo similar. Não terá acesso ao crédito, entre outros problemas. Se conseguir regularizar sua dívida, será onerado com juros bastante altos, apesar da taxa Selic estar no patamar mais baixo da história. Em relação ao pagamento de impostos, a situação complica ainda mais.

Vamos analisar o outro lado da moeda. Você é empresário no Rio de Janeiro e sua empresa trabalha para o Governo. Executa seu contrato, cumprindo todos os prazos e dentro dos padrões de qualidade exigidos. No final do mês emite sua fatura e deveria receber o valor correspondente após 30 dias da emissão da nota. No entanto, é raro o pagamento acontecer. Na maioria das vezes não ocorre em 30, 60 ou muito mais que 90 dias ou, simplesmente, não ocorre. Você começa a enfrentar uma verdadeira corrida de obstáculos para tentar receber o que é seu por direito.

Além disso, para que sua empresa possa emitir uma fatura ela teve que investir, comprando material, pagando os trabalhadores e arcando com todos os custos necessários para executar o contrato. Por mais incrível que possa parecer, ao emitir a fatura, você é obrigado a pagar impostos antes mesmo de receber.

Na Prefeitura do Rio o valor do Imposto Sobre Serviços (ISS) é de 3%. Se por acaso sua empresa vier a receber, deveria ter o valor corrigido por juros e correção monetária, como a lei prevê, mas, isso também nunca acontece.

O cenário piora quando o que a empresa tem a receber não é pago no exercício fiscal e vira “restos a pagar”. Nesses casos, os atrasos são brutais. Existem dívidas de “restos” a pagar que atravessam alguns governos. Agora, se sua empresa, seguindo o que preconiza a lei, parar um fornecimento, serviço ou obra, por não receber há mais de 90 dias, ela poderá sofrer sérias consequências chegando até a rescisão do contrato ou mesmo ser considerada inidônea. As leis brasileiras, que os governos não cumprem, regulam todas essas etapas.

Por que o tratamento adotado em relação à inadimplência, por falta de pagamento, é tão diferente se ela é praticada por governo e privado? Essa forma de agir dos governos tem levado a um sem número de empresas a fecharem as portas, muitas vezes sem recursos para honrar as demissões, o pagamento de fornecedores e gerando, consequentemente, o empobrecimento do Estado.

Não que isso seja privilégio do Estado do Rio de Janeiro, mas certamente somos a capital dessa prática. No setor da infraestrutura é uma constante. A AEERJ, Associação das Empresas de Engenharia do Rio de Janeiro, tem tido uma ação contínua para que leis sejam seguidas e que haja transparência em ações públicas e privadas.