Um grito de alerta contra as tragédias em áreas de risco

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O EmpreiteiroEncontro OE/TotvsPágs. 22 e 2331/05/2010

Um grito de alerta contra as tragédias em áreas de risco

Nildo Carlos Oliveira

O tema proposto para um encontro em São Paulo (SP),
de especialistas nas áreas da engenharia e da geologia – Mudanças
climáticas e enchentes: deslizamentos de encostas e colapso de estruturas
– extrapolou
os limites possíveis e derivou para o campo da responsabilidade pública e do papel que aqueles segmentos do conhecimento humano
devem exercer para prevenir tragédias como as que ocorreram recentemente
em São Paulo, Rio de Janeiro, Niterói e em outras regiões brasileiras.

O encontro, organizado pela revista O Empreiteiro e pela Totvs, teve a
presença do engenheiro Francis Bogossian, presidente do Clube de
Engenharia do Rio de Janeiro e da AEERJ. Ele interveio enfatizando que há duas
maneiras de se cuidar das encostas para prevenir deslizamentos: o
tratamento passivo ou preventivo e o tratamento ativo. No primeiro caso,
suavizando-as antes de ocupá-las, protegendo-as contra as erosões
externas e internas e executando drenagem superficial ou profunda. No
segundo caso, desenvolvendo ações de contenção após os escorregamentos
ou quando contatado que eles estariam prestes a acontecer.

O Rio, que se urbanizou nos limites das encostas e invariavelmente
escalando-as, aprendeu com as tragédias. E, hoje, segundo Francis, conta
com o sistema Alerta-Rio, que tem mapeado diversas áreas de risco e
dispõe de rede de pluviômetros capazes de prever condições para isso.
“Mesmo assim”, reconhece o engenheiro, “o poder público não tem sido
capaz de acompanhar a enorme velocidade de crescimento da ocupação
desordenada das várias encostas cariocas. Por conta disso, novas áreas
de risco surgem nas comunidades de baixa renda, instaladas nos morros”.

Desde 2005, a Associação Brasileira de Mecânica dos Solos (ABMS), o
Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea-RJ), o Clube de
Engenharia, a Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e
Ambiental e a Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Angra dos Reis,
vem propondo ao governo fluminense a criação de um órgão, nos moldes da
Geo-Rio, para prevenir acidentes de encostas no Estado. Proposta, com o
mesmo fim, foi levada ao ministro Márcio Fortes, das Cidades, mostrando a
urgência de procedimento desse tipo para prevenir tragédias nos
municípios brasileiros com áreas montanhosas. Mas, conforme diz Francis
Bogossian, o ministro não deu, até aqui, qualquer resposta aos órgãos
empenhados naquela ação.

Bogossian lembra que, ao longo dos anos, o termo “remoção de favelas”
foi visto como politicamente incorreto. Sem meios para oferecer opção
melhor às famílias de baixa renda, os prefeitos fecharam os olhos as
invasões de áreas públicas e privadas. Resultado: nos morros, a
vegetação acabou substituída por construções irregulares. “Foi preciso
que acontecessem mais mortes, como em Angra e, depois, no Rio, em
Niterói (Morro do Bumba) e em São Gonçalo, para que se pudesse voltar a
falar em remoção de famílias nas áreas de risco”.

Ele acha que, diante dos acontecimentos que estão à vista e na
lembrança de todos, “chegou a hora de mudar”. Mas, assim como não se
pode cortar uma árvore sem o consentimento de um órgão ambiental, não se
deveria construir em áreas de encostas sem a exigência de um estudo
geotécnico. Por isso, “urge a criação de um organismo estadual -ou mesmo
federal – no formato da Geo-Rio”.

Em seu entendimento, o programa Minha casa, Minha Vida, do governo
federal, pode ser uma saída, uma vez que traz, em seu contexto, a
retomada de financiamento imobiliário.

Uma coisa, no entanto, precisa ficar clara. Programa habitacional do
governo federal para a baixa renda não pode, jamais, ser compreendido
como uma concessão. Quando foi criado, em 1966, o FGTS, além de
sinalizar com a garantia da proteção ao trabalhador regido pela
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), previa a aplicação de recursos
em programas sociais, tais como habitação popular, saneamento básico e
infraestrutura urbana. Se, com o passar dos anos, não cumpriu essa
finalidade, é porque contrariou, no fundamental, a legislação que o criou.

AS CIDADES SE
IMPERMEABILIZARAM

O geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos
mostrou como a cidade de São Paulo cresceu asfixiando a estrutura física original e,
depois, foi se impermeabilizando, ilimitadamente.
E, não parou por aí o processo que a
estrangula: eliminou a possibilidade de vazão
de rios e córregos e deixou que entulhos da
construção civil e lixo de toda ordem contribuíssem
para o impacto das enchentes.

Ampliando o leque de suas observações,
ele lembrou que, a exemplo das enchentes,
das quedas de barreiras nas estradas e dos
acidentes, cada vez mais comuns, em obras
de engenharia, “tudo continua se passando
como se definitiva e estupidamente decidíssemos
não considerar que nossas ações sobre
os terrenos naturais interferem com uma
natureza geológica viva, que tem história,
leis, comportamentos e processos dinâmicos
próprios”.

Álvaro garantiu que, do ponto de vista
técnico, há soluções para os problemas
ocasionados pelos fenômenos naturais. Disse
que a cidade deveria optar por sistemas
adequados de impermeabilização em suas
ruas, praças e jardins. Contudo, no caso
das tragédias urbanas, como a que ocorreu
recentemente em Niterói, “não há como se
pretender resolver questão dessa ordem somente
através da abordagem técnica. Há necessidade
de programas habitacionais mais
ousados, que ofereçam a população de baixa
renda moradias próprias, na mesma faixa de
custos em que ela se encontra na situação de
risco geológico”.

Em redação aos piscinões que tem sido
adorados pela prefeitura paulistana como
solução para as enchentes, disse que esta deveria
ser a última providência a ser “retirada da prateleira”. No fundo,
eles constituem
uma panacéia. E condenou a situação a
que estão relegados vários piscinões, que se
transformaram em focos de sujeira, de proliferação
de insetos e de males para população
do entorno da área em que eles tem sido
construídos.
O engenheiro José Carlos Werrematti,
que tem atuado no desenvolvimento e aplicação
de geotêxteis e geossintéticos, expôs
soluções técnicas capazes de reduzir a impermeabilização
do solo urbano. Mostrou
como as superfícies de cidades estão impermeabilizadas
por concreto e asfalto, e como
essa situação obstrui os dispositivos de microdrenagem,
reduzindo, também, a capacidade
dos dispositivos de macrodrenagem.

Apontou diversas soluções para esse
problema: os piscinões, desde que dispostos
ao longo de rios e canais; reservatórios de
acumulação; construção de pequenos reservatórios
de acumulação em residências unifamiliares
e uso de capa asfáltica porosa na
construção de novos arruamentos e até de
estradas. Ele exibiu exemplos desse sistema.

PLANEJAMENTO DA ENGENHARIA

O engenheiro Márcio Amorim, presidente
do Sindicato das Empresas de Arquitetura
e Engenharia Consultiva (Sinaenco)
do Rio de Janeiro, enfatizou o fato de que
condições climáticas adversas sempre existiram.
Apesar disso, não deve ser atribuída
unicamente a inclemência da natureza mudanças
climáticas, chuvas torrenciais etc.
– a responsabilidade pelas tragédias que vem
acontecendo e que implicam graves perdas
de recursos materiais e humanos. Afinal de
contas, não é de hoje que, no caso brasileiro,
a administração pública dispõe de meios
para planejar, projetar e construir obras capazes
de prevenir desastres naturais. Disse
que o Sinaenco conta com 18 mil empresas
de arquitetura e de engenharia de projetos
que podem ser acionadas pelo governo, a
qualquer dia e hora, para trabalhar em favor
da sociedade.

O engenheiro João Alberto Viol, presidente
nacional do Sinaenco, bateu na mesma
tecla. E, encerrando os debates, apontou
a raiz dos problemas que tradicionalmente
tem afetado o Brasil: os governos historicamente
tem sido lentos na adoção de medidas
preventivas. Citou até o caso da Lei
11.445/07, finalmente promulgada e que
estabelece as diretrizes para uma política de
saneamento básico, mas cujo marco regulatório
ainda não foi regulamentado.

Ao final, um dado ficou claro: as mudanças
climáticas e as chuvas torrenciais são
fenômenos que continuarão a acontecer. O
que o País precisa fazer é antecipar-se aos
fatos, investindo em obras preventivas. E
todos concordaram com um dos argumentos
do geólogo Álvaro Rodrigues dos
Santos: não é a natureza que deve adaptar-se
aos projetos da engenharia, mas são os
projetos de engenharia que precisam adaptar-
se à natureza.

Matéria publicada na Revista O Empreiteiro – Maio/2010