Saneamento básico é uma tragédia nacional
Francis Bogossian,
PRESIDENTE DO CLUBE DE ENGENHARIA E DA ASSOCIAÇÃO
DE EMPRESAS DE ENGENHARIA DO RIO DE JANEIRO (AEERJ)
O Brasil, em pleno século XXI, tem grande parte da população vivendo nas condições sanitárias vigentes no século XIX. Dados do Ministério da Saúde registram que, apenas no ano passado, 206.414 pessoas morreram no Brasil por complicações decorrentes de diarreia e gastroenterite. Embora não se possa garantir que a causa de todos esses óbitos tenha sido a falta de saneamento, há que reconhecer na falta de saneamento um determinante para estas e várias outras doenças fatais.
É inacreditável que 2.495 municípios brasileiros ainda não tenham redes de coleta e tratamento. E que estados como o Rio Grande do Sul tenham apenas 24,3% dos domicílios servidos por redes de esgotos sanitários. Em Santa Catarina, esse percentual cai para 13,4%. Mesmo São Paulo, a maior economia do país, ainda não conseguiu estender a rede de esgotos por todo o estado. Está em segundo lugar no ranking do IBGE (Pesquisa Nacional de Saneamento Básico 2008), com 82,1% de cobertura, atrás apenas do Distrito Federal, com 86,3%. Seguem-se Minas Gerais (68,9%), Rio de Janeiro ( 49,2%) e Paraná (46,3%).
Esses estados contribuíram para que a média nacional ficasse em 44%, encobrindo a situação vergonhosa da Região Norte do país, onde os estados do Pará e de Rondônia fecham o ranking com percentuais de 1,7% e 1,6%, respectivamente.
É inadmissível também que 12 milhões de residências brasileiras não tenham abastecimento de água.
Apesar dessa situação assustadora, não se observa uma pressão da sociedade, certamente devido às carências educacionais do povo, nem ações efetivas dos ambientalistas para mudar radicalmente tal quadro. O assunto se arrasta e os investimentos chegam a conta-gotas.
Só em junho de 2010, mais de três anos depois de aprovada no Congresso, a Lei nº 11.445/2007, que estabelece o marco regulatório do saneamento, foi regulamentada. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) previa investimentos de R$ 40 bilhões para saneamento entre 2003 e 2010. No último balanço do PAC, os projetos concluídos nesse setor somavam apenas R$ 823,7 milhões.
A estimativa do Ministério das Cidades é de que são necessários R$ 240 bilhões para universalizar os serviços de água e esgoto em todo o país, o que significa que, no ritmo atual, nem em 200 anos conseguiremos atingir a meta.
É preciso que o caos no saneamento básico seja entendido como tragédia nacional, e não apenas como mais um problema de infraestrutura a ser resolvido.
Está provado e comprovado que a melhoria do saneamento básico se reflete diretamente na redução de doenças e das internações hospitalares. A Organização Mundial de Saúde calcula que cada dólar investido em saneamento em uma região representa uma economia de US$ 4 em saúde. De que adianta aumentar os investimentos em saúde se não se combate uma das principais causas das internações?
A Copa do Mundo de 2014 deveria ser a data limite, não apenas para os estádios, mas também para que as cidades sede dos Jogos sejam cobertas por redes de água e esgoto e também por coleta seletiva de lixo. A proposta é exequível, seja através de empresas estaduais de saneamento, de projetos de parceria público-privada ou de concessões.
É necessário mobilizar a sociedade para que estados e prefeituras sejam pressionados a investir em obras “debaixo da terra”, onde ninguém vê. Enquanto a educação não acorda a massa popular para esse direito constitucional, cabe às elites o papel de pressão junto ao Congresso.
O programa Minha Casa, Minha Vida é, certamente, um incentivador do saneamento, uma vez que a Caixa Econômica Federal só financia unidades habitacionais servidas por redes de água e esgoto em áreas urbanizadas.
A lei do saneamento estabelece regras e metas para as prefeituras, mas se não houver uma efetiva ação, os prazos serão prorrogados indefinidamente. A presidente eleita prometeu saneamento e devemos cobrar para que ela seja a comandante da universalização.