Revista do Crea-RJ entrevista Francis
“Há carência de medidas de prevenção”
O poder público vem fechando os olhos para a ocupação de áreas de risco sujeitas a deslizamentos de encostas e de inundações, na avaliação de Francis Bogossian, presidente do Clube de Engenharia e da AEERJ. Segundo ele, os avanços técnicos e tecnológicos ficam longe dessas comunidades, pois as prefeituras locais alegam falta de recursos para regulamentar e disciplinar as ocupações. Confira.
REVISTA – A princípio, o que aconteceu não deveria ter acontecido, levando-se em conta a existência de uma série de avanços técnicos e tecnológicos em vários segmentos da engenharia?
FRANCIS BOGOSSIAN – Embora nos últimos anos já se tenha obtido progressos na luta contra a pobreza e a miserabilidade do sofrido povo brasileiro, as políticas de enfrentamento no quesito educação e também quanto ao ordenamento nas prioridades das ações governamentais permanecem, no meu entender, deficientes há muitas décadas. O poder público vem fechando os olhos para a ocupação de áreas de risco sujeitas a deslizamentos de encostas e a inundações e, muitas vezes, até com fins eleitoreiros, incentiva para que os menos favorecidos se estabeleçam e nelas construam imóveis para alugar. Um povo com as carências de educação típicas das nossas classes menos favorecidas não tem discernimento para compreender que estas são moradias sem qualquer segurança e que é apenas questão de tempo para que as tragédias aconteçam. Os avanços técnicos e tecnológicos ficam longe destas comunidades, pois as prefeituras locais alegam falta de recursos para regulamentar e disciplinar as ocupações.
REVISTA – A rigor, de quem é a culpa? Do poder público, das instituições, das comunidades, da sociedade?
FRANCIS BOGOSSIAN– O problema é tão antigo que a relação dos culpados direta ou indiretamente pela atual situação ficaria imensurável. Seria também injusto responsabilizar isoladamente qualquer segmento da sociedade para se chegar a uma abordagem eficiente. A sociedade e suas comunidades elegem os políticos que comandam as instituições e assim ninguém escapa de constar da relação de criminosos. A hora é de se educar para que mude gradativamente a mentalidade política e se possa cobrar o uso adequado do dinheiro público, que é nosso, para fazer deste país uma nação que respeita seu povo.
REVISTA – O que precisa ser feito urgentemente para que se evitem novos deslizamentos, principalmente seguidos de tantas mortes?
FRANCIS BOGOSSIAN– As ciências da engenharia e da geologia conhecem há muitas décadas as receitas para se elaborar mapas de risco, portanto, para definir onde deve ou não ser ocupado por moradias ou quaisquer construções. A recente e espetacular evolução nas tecnologias de coleta e transmissão de dados ambientais à distância permitem hoje implantar instrumentais complexos capazes de detectar, processar sinais e enviar alertas para riscos de sinistros, leves a graves, como se faz na Austrália e em Hong Kong, por exemplo. A ecologia já nos vem ensinando há muito tempo que custa caro o desrespeito à natureza, mas faz-se ouvidos moucos diante de tais evidências, seja por ignorância, seja pelo descaso com os menos favorecidos ou pela malversação dos recursos, corrupção e ganância desenfreada dos poderosos. A complexidade do problema é, pois, gigantesca.
REVISTA- O alto volume pluviométrico realmente é uma desculpa cabível por parte das autoridades?
FRANCIS BOGOSSIAN – Quando apenas os pobres e favelados morriam nas tragédias, a sociedade educada costumava aceitar esta desculpa esfarrapada. Desta vez vai ser mais difícil empurrar isto pela goela da população, já que todos os níveis foram vitimados. Esta simplória justificativa não é mais palatável. Mesmo que as grandes chuvas fossem centenárias, o poder público teria que precaver-se contra suas consequências. Sendo elas tão frequentes em países tropicais, como o Brasil, caberiam ações de governo para impedir a ocupação das áreas de risco e instalar sistemas de alerta para determinar sua eventual evacuação. Há carência de medidas de prevenção e a pouca educação do povo o deixa despreparado para tais fenômenos decorrentes de chuvas torrenciais.
REVISTA – É possível chover tanto a ponto de causar tantos danos na infraestrutura de uma cidade; ou uma boa infraestrutura é imune a qualquer volume de chuva?
FRANCIS BOGOSSIAN– É sempre possível que chuvas excepcionais, assim como terremotos, ciclones, tsunâmis e outros fenômenos naturais causem danos à infraestrutura de uma cidade. Não dá para se implantar centros urbanos com segurança absoluta. As ocupações começam quase sempre sem planejamento e a sociedade só se organiza quando muitos danos já foram causados ao meio ambiente por ocupações inadequadas. As áreas de risco já estão criadas e então cabe ao poder público não permitir que se proliferem, reduzir ou eliminar, pela reurbanização, locais sujeitos a catástrofes e, quando este ideal não puder ser cumprido, adotar ações preventivas e mecanismos de defesa para a população, que é a razão de ser das cidades, uma vez que os seres humanos são a maior criação de Deus, ou da natureza, como preferirem.
REVISTA – Que contribuições imediatas a geologia ou a geotecnia podem dar para situações como as que vem se repetindo no Rio depois de fortes chuvas?
FRANCIS BOGOSSIAN – A geologia e a geotecnia, repito, detêm o conhecimento necessário para conduzir as soluções adequadas. Há que se destinar recursos suficientes para, inicialmente, retirar todos das áreas de risco. Creio que, em seguida, cabe levantar e estudar o sistema hidrológico remanescente, a geologia local e a geotecnia, para se poder chegar aos mapas de risco e se poder orientar a ocupação de novas áreas seguras. Muitas obras geotécnicas de contenção, drenagem e também hidráulicas, inevitavelmente dispendiosas, devem ser necessárias para recuperar os estragos. Esta é, a meu ver, a condução correta do problema, mas haverá, é claro, as ações políticas detrimentais e demagógicas daqueles que quererão tirar vantagens ilícitas. É preciso que as comunidades fiquem de olhos abertos. Nathalia Ronfini